Um
grande futuro! Enquanto esta palavra me batia no ouvido, devolvia eu
os olhos, ao longe, no horizonte misterioso e vago. Uma ideia expelia
outra, a ambição desmontava Marcela. Um grande futuro? Talvez
naturalista, literato, arqueólogo, banqueiro, político ou até
bispo, – bispo que fosse, – uma vez que fosse um cargo, uma
preeminência, uma grande reputação, uma posição superior. A
ambição, dado que fosse águia, quebrou nessa ocasião o ovo, e
desvendou a pupila fulva e penetrante. Adeus, amores! adeus, Marcela;
dias de delírio, joias sem preço, vida sem regime, adeus. Cá me
vou às fadigas e à glória; deixo-vos com as calcinhas da primeira
idade.
E
foi assim que desembarquei em Lisboa e segui para Coimbra. A
Universidade esperava-me com as suas matérias árduas, e não sei se
profundas; estudei-as muito mediocremente, e nem por isso perdi o
grau de bacharel; deram-mo com a solenidade do estilo, após os anos
da lei; uma bela festa que me encheu de orgulho e de saudades, –
principalmente de saudades. Tinha eu conquistado em Coimbra uma
grande nomeada de folião; era um acadêmico estroina, superficial,
tumultuário e petulante, dado às aventuras, fazendo romantismo
prático e liberalismo teórico, vivendo na pura fé dos olhos pretos
e das constituições escritas. No dia em que a Universidade me
atestou, em pergaminho, uma ciência que eu estava longe de trazer
arraigada no cérebro, confesso que me achei de algum modo logrado,
ainda que orgulhoso. Explico-me: o diploma era uma carta de alforria;
se me dava a liberdade, dava-me a responsabilidade. Guardei-o, deixei
as margens do Mondego, e vim por ali fora assaz desconsolado, mas
sentindo já uns ímpetos, uma curiosidade, um desejo de acotovelar
os outros, de influir, de gozar, de viver, – de prolongar a
Universidade pela vida adiante…
Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas
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