quarta-feira, 3 de julho de 2024

Dos apóstatas


1.

Ah, já se encontra murcho e cinzento aquilo tudo que há pouco era verde e colorido nesse prado? E quanto mel de esperança levei daqui para minhas colmeias!
Todos esses jovens corações já se tornaram velhos — e nem sequer velhos! Apenas cansados, vulgares, cômodos: — “Tornamo-nos novamente devotos”, dizem eles.
Há bem pouco eu os vi saírem com pés valentes, de manhã cedo: mas seus pés do conhecimento se cansaram, e agora eles caluniam até mesmo sua valentia matinal!
Em verdade, alguns deles moviam as pernas como um dançarino, e o riso de minha sabedoria lhes acenou: — então refletiram. Acabo de vê-los curvados — arrastando-se para a cruz.
Um dia esvoaçavam em torno da luz e da liberdade, como as mariposas e os jovens poetas. Um tanto mais velhos, um tanto mais frios: e já ficam sentados junto à estufa, amigos da penumbra e dos sussurros.
Porventura seu coração se abateu porque a solidão me engoliu como uma baleia? Seus ouvidos esperaram em vão, longa e ardentemente, por mim e meus chamados de trombeta, de arauto?
Ah! Sempre são poucos aqueles cujo coração mantém a coragem e a exuberância; e neles também o espírito permanece paciente. Mas o resto é covarde.
O resto: é sempre a grande maioria, a banalidade, a profusão, os muitos e demais — esses todos são covardes! —
Quem é de minha espécie depara sempre com as vivências de minha espécie: de modo que seus primeiros companheiros serão cadáveres e palhaços.
Seus segundos companheiros, porém — se denominarão seus crentes: um enxame vivo, muito amor, muita tolice, muita veneração imberbe.
Não deve prender o coração a esses crentes aquele que é de minha espécie entre os homens; não deve crer nessas primaveras e prados coloridos aquele que conhece a fugaz e covarde espécie humana!
Se eles pudessem de outro modo, também quereriam de outro modo. Os meios-termos estragam tudo que é inteiro. O fato de as folhas murcharem — que há nisso a lamentar?
Deixa-as cair e partir, ó Zaratustra, e não lamentes! Melhor é soprares entre elas com ventos ciciantes, —
sopra entre essas folhas, ó Zaratustra: para que tudo emurchecido se afaste ainda mais rapidamente de ti! —

Friedrich Nietzsche, em Assim falou Zaratustra

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