Encontro
um caderno antigo, de adolescente. E, em vez das simples anotações
que seriam preciosas como documento, descubro que eu só fazia
literatura. Afinal quando é que um adolescente já foi natural? E,
folheando aquelas velhas páginas, vejo, compungido, como as
comparações caducam. Até as imagens morrem, dizia Brás Cubas.
Quero crer que caduquem apenas. Eis aqui uma amostra daquele
“diário”:
“Era
tal qual uma noite de tela cinematográfica. Silenciosa, parada, de
um suave azul de tinta de escrever.
O
perfil escuro das árvores recortava-se cuidadosamente naquela
imprimadura unida, igual, que estrelinhas azuis picotavam. Os
bangalôs dormiam. Uma? duas? três horas da madrugada? Nem a lua
sequer o sabia. A lua, relógio parado...”
Pois
vocês já viram que mundo de coisas perdidas?! O cinema não é mais
silencioso. Não se usa mais tinta de escrever. Não se usam mais
bangalôs.
E
ninguém mais se atreve a invocar a lua depois que os astronautas se
invocaram com ela.
Mário Quintana, in Caderno H
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