— Ah!
conselheiro, aí começa a falar em verso.
— Todos
os homens devem ter uma lira no coração — ou não sejam homens.
Que a lira ressoe a toda a hora, nem por qualquer motivo, não o digo
eu; mas de longe em longe, e por algumas reminiscências
particulares... Sabe por que é que lhe pareço poeta, apesar das
Ordenações do Reino e dos cabelos grisalhos? é porque vamos por
esta Glória adiante, costeando aqui a Secretaria de Estrangeiros...
Lá está o outeiro célebre... Adiante há uma casa...
— Vamos
andando.
— Vamos...
Divina Quintília! Todas essas caras que aí passam são outras, mas
falam-me daquele tempo, como se fossem as mesmas de outrora; é a
lira que ressoa, e a imaginação faz o resto. Divina Quintília!
— Chamava-se
Quintília? Conheci de vista, quando andava na Escola de Medicina,
uma linda moça com esse nome. Diziam que era a mais bela da cidade.
— Há
de ser a mesma, porque tinha essa fama. Magra e alta?
— Isso.
Que fim levou?
— Morreu
em 1859. Vinte de abril. Nunca me há de esquecer esse dia. Vou
contar-lhe um caso interessante para mim, e creio que também para o
senhor. Olhe, a casa era aquela... Morava com um tio, chefe de
esquadra reformado; tinha outra casa no Cosme Velho. Quando conheci
Quintília... Que idade pensa que teria, quando a conheci?
— Se
foi em 1855...
— Em
1855.
— Devia
ter vinte anos.
— Tinha
trinta.
— Trinta?
— Trinta
anos. Não os parecia, nem era nenhuma inimiga que lhe dava essa
idade. Ela própria a confessava, e até com afetação. Ao
contrário, uma de suas amigas afirmava que Quintília não passava
dos vinte e sete; mas como ambas tinham nascido no mesmo dia, dizia
isso para diminuir-se a si própria.
— Mau,
nada de ironias; olhe que a ironia não faz boa cama com a saudade.
— Que
é a saudade senão uma ironia do tempo e da fortuna? Veja lá;
começo a ficar sentencioso. Trinta anos; mas, em verdade, não os
parecia. Lembra-se bem que era magra e alta; tinha os olhos, como eu
então dizia, que pareciam cortados da capa da última noite, mas
apesar de noturnos, sem mistérios nem abismos. A voz era
brandíssima, um tanto apaulistada, a boca larga, e os dentes, quando
ela simplesmente falava, davam-lhe à boca um ar de riso. Ria também,
e foram os risos dela, de parceria com os olhos, que me doeram muito
durante certo tempo.
— Mas
se os olhos não tinham mistérios...
— Tanto
não os tinham que cheguei ao ponto de supor que eram as portas
abertas do castelo, e o riso o clarim que chamava os cavaleiros. Já
a conhecíamos, eu e o meu companheiro de escritório, o João
Nóbrega, ambos principiantes na advocacia, e íntimos como ninguém
mais; mas nunca nos lembrou namorá-la. Ela andava então no galarim;
era bela, rica, elegante, e da primeira roda. Mas um dia, no antigo
teatro Provisório, entre dous atos dos Puritanos, estando eu num
corredor, ouvi um grupo de moços que falavam dela, como de uma
fortaleza inexpugnável. Dous confessaram haver tentado alguma cousa,
mas sem fruto; e todos pasmavam do celibato da moça que lhes parecia
sem explicação. E chalaceavam: um dizia que era promessa até ver
se engordava primeiro; outro que estava esperando a segunda mocidade
do tio para casar com ele; outro que provavelmente encomendara algum
anjo ao porteiro do céu; trivialidades que me aborreceram muito, e
da parte dos que confessavam tê-la cortejado ou amado, achei que era
uma grosseria sem nome. No que eles estavam todos de acordo é que
ela era extraordinariamente bela; aí foram entusiastas e sinceros.
— Oh!
ainda me lembro!... era muito bonita.
— No
dia seguinte, ao chegar ao escritório, entre duas causas que não
vinham, contei ao Nóbrega a conversação da véspera. Nóbrega
riu-se do caso, refletiu, e depois de dar alguns passos, parou diante
de mim, olhando, calado. “Aposto que a namoras?”, perguntei-lhe.
“Não”, disse ele, “nem tu? Pois lembrou-me uma cousa: vamos
tentar o assalto à fortaleza? Que perdemos com isso? Nada; ou ela
nos põe na rua, e já podemos esperá-lo, ou aceita um de nós, e
tanto melhor para o outro que verá o seu amigo feliz.” “Estás
falando sério?” “Muito sério.” Nóbrega acrescentou que não
era só a beleza dela que a fazia atraente. Note que ele tinha a
presunção de ser espírito prático, mas era principalmente um
sonhador que vivia lendo e construindo aparelhos sociais e políticos.
Segundo ele, os tais rapazes do teatro evitavam falar dos bens da
moça, que eram um dos feitiços dela, e uma das causas prováveis da
desconsolação de uns e dos sarcasmos de todos. E dizia-me: “Escuta,
nem divinizar o dinheiro, nem também bani-lo; não vamos crer que
ele dá tudo, mas reconheçamos que dá alguma cousa e até muita
cousa — este relógio, por exemplo. Combatamos pela nossa
Quintília, minha ou tua, mas provavelmente minha, porque sou mais
bonito que tu.”
— Conselheiro,
a confissão é grave; foi assim brincando...?
— Foi
assim brincando, cheirando ainda aos bancos da academia, que nos
metemos em negócio de tanta ponderação, que podia acabar em nada,
mas deu muito de si. Era um começo estouvado, quase um passatempo de
crianças, sem a nota da sinceridade; mas o homem põe e a espécie
dispõe. Conhecíamo-la, posto não tivéssemos encontros frequentes;
uma vez que nos dispusemos a uma ação comum, entrou um elemento
novo na nossa vida, e dentro de um mês estávamos brigados.
— Brigados?
— Ou
quase. Não tínhamos contado com ela, que nos enfeitiçou a ambos,
violentamente. Em algumas semanas já pouco falávamos de Quintília,
e com indiferença; tratávamos de enganar um ao outro e dissimular o
que sentíamos. Foi assim que as nossas relações se dissolveram, no
fim de seis meses, sem ódio, nem luta, nem demonstração externa,
porque ainda nos falávamos, onde o acaso nos reunia; mas já então
tínhamos banca separada.
— Começo
a ver uma pontinha do drama...
— Tragédia,
diga tragédia; porque daí a pouco tempo, ou por desengano verbal
que ela lhe desse, ou por desespero de vencer, Nóbrega deixou-me só
em campo. Arranjou uma nomeação de juiz municipal lá para os
sertões da Bahia, onde definhou e morreu antes de acabar o
quatriênio. E juro-lhe que não foi o inculcado espírito prático
de Nóbrega que o separou de mim; ele, que tanto falara das vantagens
do dinheiro, morreu apaixonado como um simples Werther.
— Menos
a pistola.
— Também
o veneno mata; e o amor de Quintília podia dizer-se alguma cousa
parecido com isso; foi o que o matou, e o que ainda hoje me dói...
Mas, vejo pelo seu dito que o estou aborrecendo...
— Pelo
amor de Deus. Juro-lhe que não; foi uma graçola que me escapou.
Vamos adiante, conselheiro; ficou só em campo.
— Quintília
não deixava ninguém estar só em campo — não digo por ela, mas
pelos outros. Muitos vinham ali tomar um cálix de esperanças, e iam
cear a outra parte. Ela não favorecia a um mais que a outro; mas era
lhana, graciosa e tinha essa espécie de olhos derramados que não
foram feitos para homens ciumentos. Tive ciúmes amargos e, às
vezes, terríveis. Todo argueiro me parecia um cavaleiro, e todo
cavaleiro um diabo. Afinal acostumei-me a ver que eram passageiros de
um dia. Outros me metiam mais medo, eram os que vinham dentro da luva
das amigas. Creio que houve duas ou três negociações dessas, mas
sem resultado. Quintília declarou que nada faria sem consultar o
tio, e o tio aconselhou a recusa — cousa que ela sabia de antemão.
O bom velho não gostava nunca da visita de homens, com receio de que
a sobrinha escolhesse algum e casasse. Estava tão acostumado a
trazê-la ao pé de si, como uma muleta da velha alma aleijada, que
temia perdê-la inteiramente.
— Não
seria essa a causa da isenção sistemática da moça?
— Vai
ver que não.
— O
que noto é que o senhor era mais teimoso que os outros...
— ...
Iludido, a princípio, porque no meio de tantas candidaturas
malogradas, Quintília preferia-me a todos os outros homens,
conversava comigo mais largamente e mais intimamente, a tal ponto que
chegou a correr que nos casávamos.
— Mas
conversavam de quê?
— De
tudo o que ela não conversava com os outros; e era de fazer pasmar
que uma pessoa tão amiga de bailes e passeios, de valsar e rir,
fosse comigo tão severa e grave, tão diferente do que costumava ou
parecia ser.
— A
razão é clara: achava a sua conversação menos insossa que a dos
outros homens.
— Obrigado;
era mais profunda a causa da diferença, e a diferença ia-se
acentuando com os tempos. Quando a vida cá embaixo a aborrecia
muito, ia para o Cosme Velho, e ali as nossas conversações eram
mais frequentes e compridas. Não lhe posso dizer, nem o senhor
compreenderia nada, o que foram as horas que ali passei, incorporando
na minha vida toda a vida que jorrava dela. Muitas vezes quis
dizer-lhe o que sentia, mas as palavras tinham medo e ficavam no
coração. Escrevi cartas sobre cartas; todas me pareciam frias,
difusas, ou inchadas de estilo. Demais, ela não dava ensejo a nada;
tinha um ar de velha amiga. No princípio de 1857 adoeceu meu pai em
Itaboraí; corri a vê-lo, achei-o moribundo. Este fato reteve-me
fora da Corte uns quatro meses. Voltei pelos fins de maio. Quintília
recebeu-me triste da minha tristeza, e vi claramente que o meu luto
passara aos olhos dela...
— Mas
que era isso senão amor?
— Assim
o cri, e dispus a minha vida para desposá-la. Nisto, adoeceu o tio
gravemente. Quintília não ficava só, se ele morresse, porque, além
dos muitos parentes espalhados que tinha, morava com ela agora, na
casa da rua do Catete, uma prima, d. Ana, viúva; mas, é certo que a
afeição principal ia-se embora e nessa transição da vida presente
à vida ulterior podia eu alcançar o que desejava. A moléstia do
tio foi breve; ajudada da velhice, levou-o em duas semanas. Digo-lhe
aqui que a morte dele lembrou-me a de meu pai, e a dor que então
senti foi quase a mesma. Quintília viu-me padecer, compreendeu o
duplo motivo, e, segundo me disse depois, estimou a coincidência do
golpe, uma vez que tínhamos de o receber sem falta e tão breve. A
palavra pareceu-me um convite matrimonial; dous meses depois cuidei
de pedi-la em casamento. D. Ana ficara morando com ela e estavam no
Cosme Velho. Fui ali, achei-as juntas no terraço, que ficava perto
da montanha. Eram quatro horas da tarde de um domingo. D. Ana, que
nos presumia namorados, deixou-nos campo livre.
— Enfim!
— No
terraço, lugar solitário, e posso dizer agreste, proferi a primeira
palavra. O meu plano era justamente precipitar tudo, com medo de que,
cinco minutos de conversa, me tirassem as forças. Ainda assim, não
sabe o que me custou; custaria menos uma batalha, e juro-lhe que não
nasci para guerras. Mas aquela mulher magrinha e delicada
impunha-se-me, como nenhuma outra, antes e depois...
— E
então?
— Quintília
adivinhara, pelo transtorno do meu rosto, o que lhe ia pedir, e
deixou-me falar para preparar a resposta. A resposta foi
interrogativa e negativa. Casar para quê? Era melhor que ficássemos
amigos como dantes. Respondi-lhe que a amizade era, em mim, desde
muito, a simples sentinela do amor; não podendo mais contê-lo,
deixou que ele saísse. Quintília sorriu da metáfora, o que me
doeu, e sem razão; ela, vendo o efeito, fez-se outra vez séria e
tratou de persuadir-me de que era melhor não casar. “Estou velha,
disse ela; vou em 33 anos.” Mas se eu a amo assim mesmo, repliquei,
e disse-lhe uma porção de cousas, que não poderia repetir agora.
Quintília refletiu um instante; depois insistiu nas relações de
amizade; disse que, posto que mais moço que ela, tinha a gravidade
de um homem mais velho, e inspirava-lhe confiança como nenhum outro.
Desesperançado, dei algumas passadas, depois sentei-me outra vez e
narrei-lhe tudo. Ao saber da minha briga com o amigo e companheiro da
academia, e a separação em que ficamos, sentiu-se, não sei se
diga, magoada ou irritada. Censurou-nos a ambos, não valia a pena
que chegássemos a tal ponto. “A senhora diz isso porque não sente
a mesma cousa.” “Mas então é um delírio?” “Creio que sim;
o que lhe afianço é que ainda agora, se fosse necessário,
separar-me-ia dele uma e cem vezes; e creio poder afirmar-lhe que ele
faria a mesma cousa.” Aqui olhou ela espantada para mim, como se
olha para uma pessoa cujas faculdades parecem transtornadas; depois
abanou a cabeça, e repetiu que fora um erro; não valia a pena.
“Fiquemos amigos”, disse-me, estendendo a mão. “É impossível;
pede-me cousa superior às minhas forças, nunca poderei ver na
senhora uma simples amiga; não desejo impor-lhe nada; dir-lhe-ei até
que nem mais insisto, porque não aceitaria outra resposta agora.”
Trocamos ainda algumas palavras, e retirei-me... Veja a minha mão.
— Treme-lhe
ainda...
— E
não lhe contei tudo. Não lhe digo aqui os aborrecimentos que tive,
nem a dor e o despeito que me ficaram. Estava arrependido, zangado,
devia ter provocado aquele desengano desde as primeiras semanas; mas
a culpa foi da esperança, que é uma planta daninha, que me comeu o
lugar de outras plantas melhores. No fim de cinco dias saí para
Itaboraí, onde me chamaram alguns interesses do inventário de meu
pai. Quando voltei, três semanas depois, achei em casa uma carta de
Quintília.
— Oh!
— Abri-a
alvoroçadamente: datava de quatro dias. Era longa; aludia aos
últimos sucessos, e dizia cousas meigas e graves. Quintília
afirmava ter esperado por mim todos os dias, não cuidando que eu
levasse o egoísmo até não voltar lá mais, por isso escrevia-me,
pedindo que fizesse dos meus sentimentos pessoais e sem eco uma
página de história acabada; que ficasse só o amigo, e lá fosse
ver a sua amiga. E concluía com estas singulares palavras: “Quer
uma garantia? Juro-lhe que não casarei nunca.” Compreendi que um
vínculo de simpatia moral nos ligava um ao outro; com a diferença
que o que era em mim paixão específica, era nela uma simples
eleição de caráter. Éramos dous sócios, que entravam no comércio
da vida com diferente capital: eu, tudo o que possuía; ela, quase um
óbolo. Respondi à carta dela nesse sentido; e declarei que era tal
a minha obediência e o meu amor, que cedia, mas de má vontade,
porque, depois do que se passara entre nós, ia sentir-me humilhado.
Risquei a palavra ridículo, já escrita, para poder ir vê-la
sem este vexame; bastava o outro.
— Aposto
que seguiu atrás da carta? É o que eu faria, porque essa moça, ou
eu me engano ou estava morta por casar com o senhor.
— Deixe
a sua fisiologia usual; este caso é particularíssimo.
— Deixe-me
adivinhar o resto; o juramento era um anzol místico; depois, o
senhor, que o recebera, podia desobrigá-la dele, uma vez que
aproveitasse com a absolvição. Mas, enfim, correu à casa dela.
— Não
corri; fui dous dias depois. No intervalo, respondeu ela à minha
carta com um bilhete carinhoso, que rematava com esta ideia: “não
fale de humilhação, onde não houve público”. Fui, voltei uma e
mais vezes e restabeleceram-se as nossas relações. Não se falou em
nada; ao princípio, custou-me muito parecer o que era dantes;
depois, o demônio da esperança veio pousar outra vez no meu
coração; e, sem nada exprimir, cuidei que um dia, um dia tarde, ela
viesse a casar comigo. E foi essa esperança que me retificou aos
meus próprios olhos, na situação em que me achava. Os boatos de
nosso casamento correram mundo. Chegaram aos nossos ouvidos; eu
negava formalmente e sério; ela dava de ombros e ria. Foi essa fase
da nossa vida a mais serena para mim, salvo um incidente curto, um
diplomata austríaco ou não sei quê, rapagão, elegante, ruivo,
olhos grandes e atrativos, e fidalgo ainda por cima. Quintília
mostrou-se-lhe tão graciosa, que ele cuidou estar aceito, e tratou
de ir adiante. Creio que algum gesto meu, inconsciente, ou então um
pouco da percepção fina que o céu lhe dera, levou depressa o
desengano à legação austríaca. Pouco depois ela adoeceu; e foi
então que a nossa intimidade cresceu de vulto. Ela, enquanto se
tratava, resolveu não sair, e isso mesmo lhe disseram os médicos.
Lá passava eu muitas horas diariamente. Ou elas tocavam, ou
jogávamos os três, ou então lia-se alguma cousa; a maior parte das
vezes conversávamos somente. Foi então que a estudei muito;
escutando as suas leituras vi que os livros puramente amorosos
achava-os incompreensíveis, e, se as paixões aí eram violentas,
largava-os com tédio. Não falava assim por ignorante; tinha notícia
vaga das paixões, e assistira a algumas alheias.
— De
que moléstia padecia?
— Da
espinha. Os médicos diziam que a moléstia não era talvez recente,
e ia tocando o ponto melindroso. Chegamos assim a 1859. Desde março
desse ano a moléstia agravou-se muito; teve uma pequena parada, mas
para os fins do mês chegou ao estado desesperador. Nunca vi depois
criatura mais enérgica diante da iminente catástrofe; estava então
de uma magreza transparente, quase fluida; ria, ou antes, sorria
apenas, e vendo que eu escondia as minhas lágrimas, apertava-me as
mãos agradecida. Um dia, estando só com o médico, perguntou-lhe a
verdade; ele ia mentir; ela disse-lhe que era inútil, que estava
perdida. “Perdida, não”, murmurou o médico. “Jura que não
estou perdida?” Ele hesitou, ela agradeceu-lho. Uma vez certa que
morria, ordenou o que prometera a si mesma.
— Casou
com o senhor, aposto?
— Não
me relembre essa triste cerimônia; ou antes, deixe-me relembrá-la,
porque me traz algum alento do passado. Não aceitou recusas nem
pedidos meus; casou comigo à beira da morte. Foi no dia 18 de abril
de 1859. Passei os últimos dous dias, até 20 de abril, ao pé da
minha noiva moribunda, e abracei-a pela primeira vez, feita cadáver.
— Tudo
isso é bem esquisito.
— Não
sei o que dirá a sua fisiologia. A minha, que é de profano, crê
que aquela moça tinha ao casamento uma aversão puramente física.
Casou meio defunta, às portas do nada. Chame-lhe monstro, se quer,
mas acrescente divino.
Machado de Assis, in Gazeta de Notícias, 15/07/1886
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