segunda-feira, 24 de julho de 2023

A propósito da neve úmida[1] | 4


Já na véspera eu sabia que seria o primeiro a chegar. Mas não era mais disso que se tratava agora.
Não só não havia ninguém, como até tive dificuldade para encontrar nosso reservado. A mesa nem estava totalmente pronta. Que significaria aquilo? Depois de muito perguntar, consegui finalmente com os empregados a informação de que o jantar tinha sido marcado para as seis horas, e não para as cinco. Isso foi confirmado também no bufê. Fiquei até envergonhado por estar perguntando. Eram ainda cinco e vinte. Se eles tinham mudado a hora, deveriam ter me avisado, para isso existe o correio municipal, e não submeter-me àquele “vexame” perante mim mesmo e... e até perante os empregados! Sentei-me. Um empregado começou a arrumar a mesa; comecei a me sentir ainda mais ultrajado com a presença dele. Pouco antes das seis, além dos lampiões que já estavam acesos na sala, foram trazidos castiçais com velas. Mas os criados nem tiveram a idéia de trazê-los logo que eu cheguei. Na sala ao lado havia dois senhores jantando em mesas separadas, ambos de aparência sombria, taciturnos e com ar zangado. Num dos reservados mais distantes havia muito barulho; algumas pessoas até gritavam; ouviam-se as gargalhadas de um batalhão de pessoas; soavam uns guinchos terríveis em francês... no jantar havia senhoras. Em suma, tudo aquilo era muito repugnante. Poucas vezes passei momentos tão deploráveis, por isso, quando às seis em ponto chegaram todos ao mesmo tempo, a princípio fiquei feliz, como se eles fossem meus libertadores, e por pouco não esqueci que precisava parecer ofendido.
Zverkov foi o primeiro a entrar, pelo visto chefiando o grupo. Todos estavam rindo, mas, ao ver-me, Zverkov empertigou-se, aproximou-se devagar meneando levemente a cintura, como que se pavoneando, e estendeu-me a mão, afetuosamente, porém não muito, com uma polidez cautelosa, quase de general. Era como se, dando-me a mão, estivesse se protegendo de alguma coisa. Eu estava imaginando, ao contrário, que ele entraria e imediatamente soltaria sua gargalhada de antigamente, fininha e esganiçada, e que, ao abrir a boca, só se ouviriam seus gracejos e pilhérias estúpidas. Já vinha me preparando para ele desde a noite anterior, mas não esperava nunca tal postura superior, tal carinho condescendente. Quer dizer que ele se considerava agora imensamente superior a mim em todos os sentidos? Se, com a pose de general, ele estivesse apenas querendo me ofender, isso não seria nada, de alguma maneira eu mandaria tudo às favas – pensava eu. Mas que fazer se ele realmente não tivesse nenhuma vontade de me ofender e se seriamente tivesse entrado naquela cabeça de carneiro a ideiazinha de que ele era imensamente superior a mim e de que só poderia me ver de uma posição protetora? Só de supor isso comecei a sentir falta de ar.
Causou-me surpresa saber do seu desejo de participar junto conosco – começou ele, ciciando, sussurrando e alongando as palavras, o que ele não fazia antigamente. – Nós ficamos muito tempo sem nos encontrar. O senhor nos evitava. Sem razão. Não somos tão horríveis como lhe parecemos. Bom, de qualquer maneira, estou contente de res-ta-be-le-cer...
E ele displicentemente deu-me as costas para colocar o chapéu sobre a janela.
Estava esperando há muito tempo? – perguntou-me Trudoliúbov.
Cheguei às cinco em ponto, como me foi dito ontem – respondi em voz alta e com uma irritação que prenunciava uma explosão iminente.
Mas você não comunicou a ele que mudamos a hora? – perguntou Trudoliúbov a Símonov.
Não, esqueci – respondeu este sem mostras de qualquer arrependimento e, sem sequer me pedir desculpas, foi providenciar que servissem as entradas.
Então, o senhor está aqui já faz uma hora. Coitado! – exclamou em tom de gracejo Zverkov. Na opinião dele, o fato devia ser mesmo terrivelmente engraçado. Seguindo seu exemplo, o canalha do Ferfítchkin disparou a dar gargalhadas com sua vozinha nojenta e estridente de cachorrinho. Ele também estava achando a minha situação muito confusa e engraçada.
Isto não é nem um pouco engraçado! – gritei para Ferfítchkin, cada vez mais nervoso. – A culpa é de outros, não minha. Não se deram ao trabalho de me avisar. Isto... isto... isto... é simplesmente um absurdo!
Não é apenas um absurdo, é algo mais – rosnou Trudoliúbov, ingenuamente tomando minha defesa. – O senhor está sendo muito brando. Foi simplesmente uma indelicadeza. É claro que não foi proposital. E como é que Símonov... Hum!
Se alguém fizesse uma brincadeira dessas comigo, eu... – começou Ferfítchkin.
Você mandaria que lhe servissem alguma coisa – interrompeu Zverkov –, ou simplesmente pediria o jantar, sem esperar.
Os senhores hão de concordar que eu poderia ter feito isso sem a sua autorização – repliquei. Se esperei, foi...
Vamos nos sentar, senhores – exclamou Símonov, entrando. – Está tudo pronto. Respondo pelo champanhe, está perfeitamente gelado... Mas não conheço seu apartamento, não sabia onde encontrá-lo – disse ele de repente, dirigindo-se a mim, mas novamente sem me fitar. Era evidente que tinha alguma coisa contra mim. Tudo indicava que, desde o dia anterior, ele andara refletindo.
Todos se sentaram; também me sentei. A mesa era redonda. À minha esquerda ficou Trudoliúbov, à direita, Símonov. Zverkov sentou-se à minha frente; Ferfítchkin ficou entre ele e Trudoliúbov.
Di-i-i-ga-me, o senhor trabalha... num departamento? – perguntou-me Zverkov, continuando a dar-me atenção.
Percebendo que eu estava meio perdido ali, ele seriamente imaginou que era necessário tratar-me bem, infundir-me ânimo. “Será que ele está querendo que eu atire uma garrafa na sua cabeça?”, pensei furioso. Não estava acostumado àquela situação e irritava-me com uma rapidez injustificada.
Na repartição nº... – respondi com voz entrecortada, olhando para o meu prato.
Tem alguma vantagem lá? Di-iga-me, o que o fe-ez deixar o emprego anterior?
O que me fe-e-ez, foi que eu qui-i-is deixar o emprego anterior – disse eu, alongando três vezes mais as sílabas. Quase não conseguia mais me dominar.
Ferfítchkin fungou; Símonov lançou-me um olhar irônico; Trudoliúbov parou de comer e pôs-se a examinar-me com curiosidade.
Zverkov ficou perplexo, mas disfarçou.
Bem, e quanto ao seu sustento?
Que sustento?
O salário, quero dizer.
Mas que é isto, uma argüição?
Entretanto, no mesmo instante eu lhe disse quanto ganhava e fiquei terrivelmente vermelho.
Não é lá muita coisa – observou Zverkov com ar importante.
É, com isso não dá para jantar em cafés-restaurantes! – acrescentou petulantemente Ferfítchkin.
Na minha opinião, é simplesmente uma miséria – observou Trudoliúbov com seriedade.
E como o senhor emagreceu, como mudou... de lá para cá – acrescentou Zverkov, já com uma ponta de veneno e uma certa solidariedade hipócrita, examinando-me e à minha roupa.
Basta de deixá-lo encabulado – exclamou rindo Ferfítchkin.
Prezado senhor, saiba que não estou encabulado – explodi, enfim –, está ouvindo? Estou jantando aqui, neste “café-restaurante”, às minhas custas, não às custas de outros, tenha isso em mente, Monsieur Ferfítchkin.
Co-omo! Quem aqui não está jantando às próprias custas? O senhor parece que... – insistiu Ferfítchkin, vermelho como uma lagosta e olhando-me nos olhos com fúria.
É assi-im mesmo – respondi, sentindo que tinha ido longe demais –, e suponho que seria melhor se falássemos de coisas mais inteligentes.
O senhor, ao que parece, tem intenção de exibir sua inteligência?
Não se preocupe, isso seria completamente inútil aqui.
Mas o que, meu caro senhor, o que está cacarejando, hein? O senhor não terá enlouquecido de vez naquele seu lepartamento?
Chega, senhores, chega! – gritou Zverkov em tom de comando.
Que coisa idiota! – resmungou Símonov.
De fato, é idiota. Nós nos reunimos entre amigos para a despedida de um bom companheiro, que parte em voyage, e o senhor fica ajustando contas – disse Trudoliúbov, dirigindo-se de maneira grosseira unicamente a mim. – Foi o senhor mesmo que se ofereceu ontem, agora não venha perturbar a harmonia geral.
Basta, basta – gritava Zverkov. – Parem, senhores, assim não é possível. É melhor eu lhes contar como há três dias atrás eu quase me casei...
E aí começou uma espécie de narrativa burlesca de como aquele cavalheiro por pouco não se casara três dias atrás. Sobre casamento, aliás, nada foi dito, mas na narrativa passavam de relance generais, coronéis e até alguns jovens fidalgos da corte, entre os quais desfilava Zverkov quase que na posição de líder. As risadas incentivadoras fizeram-se logo ouvir. Ferfítchkin chegava até a ganir.
Todos me abandonaram e fiquei ali esmagado e reduzido a nada.
Ó Senhor, será para mim esta sociedade?”, pensava eu. “E como fiz papel de bobo na frente deles! Além do mais, dei muita confiança ao Ferfítchkin. Os imbecis acham que me fizeram uma grande honra ao conceder-me um lugar na sua mesa, mas não entendem que sou eu que estou fazendo uma grande honra a eles, e não o contrário! Emagreceu! A roupa! Oh, malditas calças! Zverkov ainda há pouco notou a mancha amarela no meu joelho... Mas que estou esperando?! É melhor me levantar desta mesa agora mesmo, neste instante, pegar meu chapéu e simplesmente ir embora, sem dizer uma palavra... Por desprezo! Nem que seja necessário amanhã bater-me em duelo. Canalhas. Não vai ser por causa de sete rublos. Eles vão imaginar, talvez... O diabo os carregue! Não me importo com os sete rublos! Vou-me embora já!...”
Fiquei, obviamente.
De desgosto, tomei vários copos de Lafitte e xerez. Como não estava habituado, fiquei logo embriagado e, com isso, cresceu ainda mais meu ressentimento. De repente me deu vontade de ofender a todos da maneira mais insolente e depois ir embora. Aproveitar o momento propício e mostrar meu valor – eles que digam depois: apesar de ridículo, ele é inteligente... e... e... ora, ao diabo com eles!
Com petulância, percorri-os com meu olhar embaçado. Mas era como se eles tivessem me esquecido totalmente. O lado deles estava barulhento, alegre, cheio de gritaria. Era Zverkov que falava o tempo todo. Comecei a prestar atenção. Zverkov contava o caso de uma certa dama importante que teria sido forçada por ele a declarar-lhe seu amor (evidente que ele mentia descaradamente), no que fora especialmente auxiliado por um amigo íntimo, um principezinho qualquer, o hussardo Kólia, dono de três mil almas.
E no entanto esse tal de Kólia, dono de três mil almas, não está aqui agora para se despedir do senhor – disse eu de repente, metendo-me na conversa.
Todos se calaram por um instante.
O senhor já está bêbado – dignou-se finalmente Trudoliúbov a me notar, olhando-me desdenhosamente com o canto do olho.
Zverkov, calado, examinava-me como se examina um inseto. Baixei os olhos. Símonov apressou-se em servir o champanhe.
Trudoliúbov levantou a taça e os outros o acompanharam, menos eu.
À sua saúde e boa viagem! – exclamou Trudoliúbov para Zverkov. – Aos nossos velhos tempos, senhores, e ao nosso futuro, hurra!
Todos beberam e rodearam Zverkov para beijá-lo. Não me movi; a taça cheia continuava intacta na minha frente.
E o senhor, não vai beber? – urrou Trudoliúbov, que havia perdido a paciência e se dirigia a mim ameaçadoramente.
Quero fazer um brinde especial, depois disso eu beberei, senhor Trudoliúbov.
Sujeito ranzinza e nojento! – rosnou Símonov.
Endireitei-me na cadeira e peguei a taça febrilmente, preparando-me para algo fora do comum, mas sem mesmo saber o que iria dizer.
Silence! – gritou Ferfítchkin. – Agora vai ficar inteligente!
Zverkov esperava com ar sério, compreendendo o que se passava.
Sr. tenente Zverkov – comecei –, saiba que odeio as frases, os frasistas e fardas com cinturas apertadas... Este é o primeiro ponto. Depois dele virá o segundo.
Todos se agitaram nas cadeiras.
Segundo ponto: odeio as aventuras amorosas e os mulherengos. Especialmente os mulherengos! Terceiro ponto: amo a verdade, a sinceridade e a honradez – continuei quase mecanicamente, porque eu mesmo já estava começando a gelar de pavor e não entendia como podia estar dizendo aquelas coisas... – Eu amo o pensamento, monsieur Zverkov; amo a verdadeira camaradagem, em pé de igualdade, e não... hum... Eu amo... Aliás, por que não? Também beberei à sua saúde, monsieur Zverkov. Conquiste as circassianas, atire nos inimigos da pátria e... e... À sua saúde, monsieur Zverkov!
Zverkov levantou-se, inclinou-se para mim e disse:
Fico-lhe muito grato.
Ele havia ficado terrivelmente ofendido e até empalidecera.
Vá pro inferno! – esbravejou Trudoliúbov, batendo com o punho na mesa.
Ah, essa não! Uma coisa dessas merece um tapa na cara! – esganiçou Ferfítchkin.
Devemos expulsá-lo daqui! – rosnou Símonov.
Nem uma palavra, senhores, nem um gesto! – exclamou Zverkov com ar solene, fazendo cessar a indignação geral. – Agradeço a todos, mas eu mesmo saberei mostrar a ele o quanto aprecio suas palavras.
Senhor Ferfítchkin, amanhã mesmo o senhor me dará uma satisfação pelas palavras que há pouco proferiu! – disse eu em voz alta, dirigindo-me com ar sério a Ferfítchkin.
Quer dizer, um duelo? Pois não – respondeu Ferfítchkin.
Mas eu devia estar ridículo desafiando-o, e isso de tal modo não combinava com a minha figura, que todos, inclusive Ferfítchkin, quase se deitaram de tanto rir.
Vamos ignorá-lo, é claro. Está completamente bêbado! – disse Trudoliúbov com asco.
Não me perdoarei jamais por tê-lo incluído! – resmungou novamente Símonov.
Esta é a hora de jogar uma garrafa em todos eles”, pensei. Peguei uma garrafa e... enchi meu copo até a borda.
...Não, é melhor ficar aqui sentado até o fim!”, continuei a pensar. “Os senhores ficariam contentes se eu fosse embora. Por nada deste mundo! De propósito vou ficar aqui sentado e beber até o fim para mostrar-lhes que não dou a mínima importância aos senhores. Vou ficar aqui sentado e beber, porque isto aqui é um boteco e eu paguei para entrar. Vou ficar sentado e beber, porque para mim os senhores não passam de fantoches, fantoches que não existem. Vou ficar sentado e beber... e cantar, se eu quiser, é isso, senhores, e cantar, porque tenho esse direito... de cantar... hum”.
Mas não cantei. Apenas obrigava-me a não olhar para nenhum deles. Fazia as poses mais independentes e ficava esperando com impaciência que eles fossem os primeiros a me dirigir a palavra. Desgraçadamente, eles não a dirigiram. E como, como eu desejava naquele instante fazer as pazes com eles! Soaram as oito horas e, por fim, as nove horas. Eles deixaram a mesa e foram para o divã. Zverkov estendeu-se num canapé e colocou a perna sobre uma mesinha redonda. O vinho foi transferido para lá. Zverkov mandou de fato servirem três garrafas por sua conta. É obvio que ele não me convidou. Sentaram-se todos em volta dele, no divã, e ficaram ouvindo-o quase com veneração. Era evidente que gostavam dele. “Por quê? Por quê?”, pensava comigo. De vez em quando eles atingiam um entusiasmo etílico e se beijavam. Falavam do Cáucaso, da verdadeira paixão e de como ela seria, do gálbik, de postos vantajosos na carreira; falavam de quanto tinha de renda o hussardo Podkharjévski, que ninguém ali conhecia pessoalmente, mas ficaram felizes por ele ter uma renda tão grande; falou-se da beleza incomum e da graça da princesa D., que também nenhum deles jamais vira; finalmente, chegaram à afirmação de que Shakespeare era imortal.
Eu sorria com desprezo e caminhava no outro lado da sala, ao longo da parede, bem em rente ao divã, e ia da mesa à lareira e voltava. Queria a todo custo mostrar-lhes que podia passar sem eles; enquanto isso, fazia de propósito barulho com as botas, pisando com os tacões. Mas era tudo em vão. Eles nem prestavam atenção. Eu tive a paciência de ficar andando dessa maneira, bem na frente deles, das oito às onze horas, sempre no mesmo lugar, da mesa para a lareira e da lareira para a mesa. “Estou caminhando porque quero, e ninguém pode me proibir”. O empregado que nos atendia parou várias vezes e ficou me olhando; de tanto ir e vir, minha cabeça começou a girar; por momentos, tive a impressão de estar delirando. Nessas três horas, por três vezes fiquei empapado de suor e três vezes me sequei. De vez em quando, com uma dor profunda e venenosa, um pensamento perpassava meu coração: de que vão se passar dez, vinte, quarenta anos, e eu ainda me lembrarei com humilhação e asco desses momentos, os mais sórdidos, ridículos e terríveis de toda a minha vida. Era impossível humilhar-me de maneira ainda mais vergonhosa e voluntária. Eu entendia total e plenamente isso; no entanto continuava a caminhar da mesa para a lareira e vice-versa. “Ah, se vocês ao menos soubessem os sentimentos e as ideias de que sou capaz e como sou culto!”, pensava por alguns instantes, dirigindo-me mentalmente ao divã onde meus inimigos estavam sentados. Mas meus inimigos comportavam-se como se eu não estivesse na sala. Uma vez, somente uma única vez, eles se voltaram para mim, exatamente quando Zverkov falou sobre Shakespeare e eu repentinamente soltei uma gargalhada cheia de desdém. Soltei uma risada tão falsa e porca, que todos interromperam ao mesmo tempo a conversa e por alguns minutos ficaram observando sérios, sem rir, a minha caminhada ao longo da parede, entre a mesa e a lareira, e como eu não estava prestando a mínima atenção neles. Mas não deu em nada: eles não falaram comigo e dois minutos depois tornaram a me abandonar. Soaram as onze horas.
Senhores – gritou Zverkov, levantando-se do divã –, agora todos para lá.
Claro, claro! – disseram os outros.
Virei-me bruscamente para Zverkov. Eu estava tão torturado, tão alquebrado, que estava pronto a me matar para que tudo aquilo terminasse! Estava febril; meus cabelos, empapados antes de suor, estavam agora secos e grudados na testa e nas têmporas.
Zverkov! Peço-lhe perdão – disse eu abrupta e decididamente. – Ferfítchkin, ao senhor também. A todos, todos, eu ofendi a todos!
Olha só! Duelo não é com ele! – gritou Ferfítchkin com sua voz sibilante e venenosa.
Senti um baque dolorido no coração
Não, não é do duelo que tenho medo, Ferfítchkin! Estou pronto para bater-me com o senhor amanhã mesmo, depois que fizermos as pazes. Até faço questão disso, e o senhor não pode recusar. Quero provar-lhe que não tenho medo do duelo. O senhor atira primeiro, e eu vou atirar para o ar.
Está fazendo graça – observou Símonov.
Simplesmente enlouqueceu! – replicou Trudoliúbov.
Ora, permita-nos passar, o senhor parou no meio do caminho! Que o senhor deseja? – disse Zverkov com desprezo.
Todos eles estavam vermelhos e com os olhos brilhantes: haviam bebido muito.
Peço a sua amizade, Zverkov, eu o ofendi, mas...
Ofendeu?! O s-senhor?! A mi-im?! Pois saiba, prezado senhor, que nunca, em circunstância alguma, o senhor poderia me ofender.
E basta para o senhor, dê o fora! – acrescentou Trudoliúbov. – Então vamos, pessoal.
Olímpia é minha, senhores, está combinado! – gritou Zverkov.
Tudo bem, não discutimos! – responderam os outros, rindo.
Fiquei parado ali com a sensação de que eles haviam cuspido em mim. A turma foi saindo ruidosamente da sala. Trudoliúbov começou a cantar uma canção idiota. Símonov ficou um instante para trás, para dar uma gorjeta aos empregados. Eu me acerquei dele de repente:
Símonov, empreste-me seis rublos! – disse eu em tom decidido e desesperado.
Ele me fitou com um espanto fora do comum, com um olhar abobalhado. Estava bêbado também.
Por acaso quer ir lá conosco?
Quero!
Não tenho dinheiro! – cortou-me, sorriu com desprezo e saiu da sala.
Agarrei-o pelo capote. Aquilo foi um pesadelo.
Símonov! Eu vi que o senhor tem dinheiro, por que está negando? Por acaso eu sou algum canalha? Tenha cuidado, não me recuse: se soubesse, se soubesse para que estou pedindo! Disso depende tudo, todo o meu futuro, todos os meus planos...
Símonov tirou o dinheiro e quase o jogou em mim.
Pegue, já que é tão descarado! – disse ele impiedosamente e correu para alcançar os outros.
Fiquei um minuto sozinho. Desordem, restos de comida, um cálice quebrado no chão, vinho derramado, pontas de cigarro, embriaguez e cabeça confusa, uma angústia torturante no coração e, por fim, um lacaio que tinha visto e ouvido tudo e me lançava olhares curiosos.
Para lá! – exclamei. – Ou eles todos se ajoelham, abraçam minhas pernas e imploram minha amizade... ou eu dou uma bofetada em Zverkov!

Dostoiévski, in Notas do subsolo

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