O
Homem de 2003 acorda ao som do seu celular tocando o Nokia Tune. O
homem de 2003 abre sua agenda (ele ainda usa agenda) e descobre que
tem uma reunião no centro da cidade dali a uma hora. “Uma hora é
tempo de sobra para chegar no centro”, ele pensa, “ainda dá pra
tomar um cafezinho” — coitado.
O
homem de 2003 sai de casa com cinco reais na carteira: ele acha que a
passagem custa um e cinquenta. Ao embarcar, percebe que, além de
custar três reais, agora o ônibus tem uma televisão em que passam
dicas astrológicas. O trânsito está parado e o homem de 2003 já
leu onze vezes seu horóscopo. O homem de 2003 chega à reunião com
uma hora e meia de atraso. As pessoas não parecem se incomodar —
essa é a vida em 2014. Os colegas riem quando ele põe trema.
Tadinho do homem de 2003. Ele é do tempo do trema!
O
homem de 2003 vai à padaria e pede um cafezinho. A caixa de 2014
estende a máquina do cartão: débito ou crédito? O homem de 2003
não sabe o que responder. Não faziam essa pergunta em 2003. O homem
de 2003 estende uma moeda de cinquenta centavos. A caixa explica:
“Custa sete reais”. “O cafezinho?” “É Nespresso”, ela
responde. “É o quê?” O homem de 2003 desiste. “Chegando em
casa eu passo um café (o homem de 2003 ainda fala ‘passar um
café’).” O homem de 2003 liga para os amigos, mas eles não
atendem. As pessoas não atendem mais o telefone em 2014. Ele joga
perguntas no Yahoo: “Como falar com amigos em 2014?” e descobre
que ele tem que baixar um WhatsApp. Mas não sabe como fazer isso no
seu Nokia 1100.
O
homem de 2003 vai ao pior bar da cidade. Quem sabe assim encontra
seus melhores amigos. Felizmente, certas coisas não mudam: seus
melhores amigos continuam frequentando o pior bar da cidade. A
diferença é que cada um está mergulhado na tela do seu celular.
Fazem carinho na tela, coçam a tela, tamborilam a tela. Quando
falam, é pra comentar o que está na tela: você viu isso aqui? Você
leu isso aqui? Vou te mandar isso aqui. O homem de 2003 conta uma
piada, mas é velha. Arrisca uma fofoca, mas é manjada. Quando fala
de política, é um desastre. Ele diz que acredita no Lula. Ele diz
que sonha em ver a Copa no Maracanã. Os homens de 2014 voltam para
sua tela. Postam no Facebook: Amigo petralha #semcomentários.
Na
volta, ele lê as dicas astrológicas pela enésima vez: “O homem
de Áries precisa se adaptar à realidade ao seu redor”. Ele
decide: “Vou comprar um iPhone”. Enquanto isso não acontece,
pega o celular e se delicia com o jogo da cobrinha.
Gregório Duvivier, in Put some farofa
Nenhum comentário:
Postar um comentário