terça-feira, 20 de dezembro de 2022

A guerra

Ao amanhecer, o chamado de uma corneta anunciou, na montanha, que era hora de arcos e zarabatanas.
Ao cair da noite, da aldeia não sobrava nada além de fumaça.
Um homem pôde deitar-se, imóvel, entre os mortos. Untou seu corpo com sangue e esperou. Foi o único sobrevivente da aldeia palawiyang.
Quando os inimigos se retiraram, esse homem se levantou. Contemplou seu mundo arrasado. Caminhou entre a gente que tinha partilhado com ele a fome e a comida. Buscou em vão alguma pessoa ou coisa que não tivesse sido aniquilada. Esse espantoso silêncio o aturdia. O cheiro de incêndio e sangue o enjoavam.
Sentiu asco, por estar vivo, e tornou a deitar-se entre os seus.
Com as primeiras luzes, chegaram os abutres. Nesse homem havia apenas névoa e vontade de dormir e deixar-se devorar.
Mas a filha do condor abriu passo entre os abutres que voavam em círculos. Bateu decidida as asas e lançou-se em picada.
Ele agarrou-se em suas patas e a filha do condor levou-o longe.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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