sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Garota de Ipanema | Tom Jobim e Vinicius de Moraes, 1963

Vinicius e Tom no bar onde escreveram “Garota de Ipanema”, com a partitura da canção ao fundo


É a música brasileira mais conhecida no mundo, uma das cinco canções mais tocadas de todos os tempos.
E tudo começou quando Vinicius de Moraes e Tom Jobim tomavam chope e jogavam conversa fora no Bar Veloso (atual Garota de Ipanema), na esquina da rua Montenegro, em Ipanema – que futuramente seria rebatizada de Vinicius de Moraes –, quando viram passar a jovem Heloisa Eneida, com seu corpo perfeito e um biquíni mínimo, gingando a caminho do mar.
Depois de várias tentativas de letra de Vinicius, finalmente a “Garota” foi apresentada ao público no histórico show Encontro, na boate Au Bon Gourmet, que reuniu o time de sonhos da bossa nova: João Gilberto, Tom Jobim, Vinicius de Moraes (ainda diplomata, em sua primeira experiência como cantor) e Os Cariocas, que estreou em 2 de agosto de 1962.
Em cartaz por 45 dias com sucesso absoluto, o show desmentia a voz corrente que dizia não haver nada mais velho do que a bossa nova, desgastada e vulgarizada por uma exposição maciça na publicidade e pela exploração de oportunistas que surfavam na onda sem ter nada a ver com aquele estilo.
Mas a “Garota de Ipanema” de Tom e Vinicius, quintessência da bossa nova, foi um sucesso imediato, que cresceu em progressões geométricas. No início de 1963, foram lançadas as três primeiras gravações: do cantor Pery Ribeiro, de Os Cariocas e do Tamba Trio. Em maio daquele ano, seria a vez da primeira com Tom Jobim, em versão instrumental, para seu disco solo de estreia nos Estados Unidos, no selo de jazz Verve: The Composer of Desafinado Plays.
Até o fim daquele ano, saíram 18 outras gravações de “Garota de Ipanema” no Brasil e nos Estados Unidos, incluindo as de jazzmen de alto prestígio como Charlie Byrd, Herbie Mann e Stan Getz. O álbum Getz/Gilberto – Featuring Antonio Carlos Jobim, que reunia o saxofonista com o violão e a voz de João Gilberto, o piano minimalista de Tom, o contrabaixo de Tião Neto e a bateria de Milton Banana, impulsionou o sucesso internacional da canção.
Em meio às sessões, o produtor Creed Taylor sugeriu que o disco também incluísse uma versão em inglês. Como João não tinha intimidade alguma com o idioma de Shakespeare, sua mulher, Astrud, que nunca gravara até então, foi escalada para a missão. Como estamos cansados de saber, lançada num single no fim de 1963, “The girl from Ipanema” arrombou a festa. Em pleno 1964, quando Beatles, Stones, Dylan e companhia já começavam a ditar as novas ordens e modas no mundo pop, a gravação de Getz e dos Gilbertos chegou ao quinto lugar na lista pop (a Hot 100) e ao primeiro na de Easy Listening. No início de 1965, a ipanemense também roubou a festa na cerimônia de entrega do Grammy, levando o troféu de Gravação do Ano, enquanto Getz/Gilberto ficou com três outros, incluindo o de Álbum do Ano – pela primeira vez na história do Oscar da música um disco de jazz, e também com um artista não americano, vencia nessa categoria.
Inicialmente batizada de “Menina que passa”, a canção tinha sido criada para um musical que Vinicius planejava mas não chegou a terminar, Blimp. A versão em inglês de Norman Gimbel carimbou o passaporte para sua viagem sem fim e rendeu alguma discussão entre Tom e o americano. Este não via sentido em manter o nome do bairro/praia até então desconhecido fora dos limites cariocas. Tom bateu o pé, não aceitava transformá-la numa garota de South Beach, Malibu ou qualquer outra chique e famosa dos Estados Unidos. Logo, falantes anglo-saxões aprenderam a cantar Ipanema, assim como franceses, japoneses, turcos, russos, marcianos. O Rio agradece.
Se o bairro não mudou, o sexo da musa, sim. Já em 1964, a cantora de jazz Peggy Lee regravou-a como “The Boy from Ipanema”, gênero também usado por intérpretes como Ella Fitzgerald, Shirley Bassey e, mais recentemente, Diana Krall. E “Garota de Ipanema” (e suas versões “girl” ou “boy”) se tornou a segunda canção popular mais regravada no mundo, atrás apenas de “Yesterday”, de uns tais de Lennon & McCartney.
Comercialmente, “Garota de Ipanema” pode ter sido o auge da dupla Tom & Vinicius, mas também sinalizou o começo do fim. Após o sucesso, eles só fizeram mais duas canções juntos: “Olha Maria”, em 1970, junto com Chico Buarque, e, lançada na mesma época, “Chora coração”, a única com letra na arrebatadora trilha sonora do filme A casa assassinada, de Paulo César Saraceni.

Nelson Motta, in As 101 canções que tocaram o Brasil

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