As
amigas se contavam tudo, tudo, do mais banal ao mais íntimo. Eram
amigas desde pequenas e não passavam um dia sem se falar. Quando não
se encontravam, se telefonavam. Cada uma fazia um relatório do seu
dia e do seu estado, e não escapava uma ida ao super, um corrimento,
uma indagação filosófica ou uma fofoca nova. Deus e todo o mundo,
literalmente. Janice, Marília e Branca.
Branca
era a mais nova, mas já casara e já enviuvara, o que despertara um
certo pânico protetor nas outras duas. Tudo acontecia rápido demais
para a Branquinha, que precisava ser protegida da sua vida
precipitada, da sua vida vertiginosa. Por isso Janice telefonou para
Marília quando soube que a Branquinha estava namorando um homem
chamado Futre, Amado Futre, Rosimar Amado Futre, e que, como se não
bastasse isto, ele declarara à Branquinha que era trissexual.
— Marília
de Deus — disse a Janice —, o que é trissexual?!
— Bom...
Bi é quando transa com os dois sexos.
— Isso
eu sei.
— Tri
deve ser quando transa com dois sexos e com bicho. Janice teve uma
visão da Branquinha na cama com Rosimar
Amado
Futre, o porteiro do prédio e uma cabra. Ou um cabrito?
— Bichos
dos dois sexos?
— E
eu vou saber?! — gritou a Marília.
Era
preciso proteger a Branquinha. Mas do quê, exatamente?
— O
que é trissexual? — perguntou a Janice ao seu marido Rubião.
— Ahn?
— disse Rubião, acordando.
Rubião
dominara o truque de segurar um jornal na frente do rosto e dormir
sem que a mulher notasse. Janice não entendia como um homem que lia
tanto jornal podia ser tão mal informado.
— O
que é trissexual?
— É...é...
— Volta
pro seu jornal, Rubião.
Apesar
de ser a mais moça das três, Branquinha fora a primeira a perder a
virgindade. Já fizera tudo o que pode ser feito sobre uma cama. Ou,
no caso dela, sobre uma cama, sobre uma mesa de cozinha, jantar ou
pingue-pongue, sobre um estrado, na praia, no meio do campo, uma vez
até no último banco de um ônibus intermunicipal — e sempre
contando tudo, tudo, às outras duas. Que também contavam tudo que
lhes acontecia, só não tinham tanto para contar. A Janice contava
sua vida com o Rubião, que só transava nos sábados e vésperas de
feriado. A Marília, que ainda não se casara e namorava um dentista
chamado João, inventava, para não pensarem que ela também não
tinha uma vida sexual. Mas nem as invenções mais criativas da
Marília se igualavam às experiências da Branquinha. E agora um
trissexual chamado Amado Futre! Branquinha talvez estivesse indo
longe demais. Era preciso proteger a Branquinha. Mas apesar de vários
avisos (“Olhe lá, hein, Branquinha”), a Branquinha concordou em
passar um fim de semana na serra com o
Rosimar
Amado Futre. E na volta, não telefonou para contar tudo, como ficara
combinado. Teria lhe acontecido alguma coisa? Ela estaria num
hospital, com um deslocamento, depois do que o Futre lhe fizera?
Mordida por algum animal, nos arroubos da paixão? Janice e Marília
não se contiveram, invadiram o apartamento de Branquinha e exigiram
um relato completo. Mas cada pergunta sobre o fim de semana,
Branquinha respondia “Nem te conto”. E não contou mesmo. Depois
da experiência com Rosimar Amado Futre, estava tão na frente das
outras que não tinham mais o que conversar. Não tinham mais pontos
de referência, era isso.
Marília
perguntou ao namorado João, o dentista, o que era trissexual.
— Tri?!
— É.
Tri em vez de bi.
— Bi?!
— Esquece,
João.
Luís Fernando Veríssimo, in Sexo na cabeça
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