quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Bêbado interurbano

O telefone tocou às três horas da manhã. Francine levantou-se, atendeu e trouxe o telefone para Tony na cama. O telefone era de Francine. Tony atendeu. Era um interurbano de Joanna, de Frisco.
Escuta – ele disse –, eu disse a você pra nunca me telefonar pra cá.
Joanna estivera bebendo.
Cala a boca e ouça. Você me deve uma coisa, Tony.
Tony expirou lentamente.
Tudo bem, manda.
Como está Francine?
Bondade sua perguntar. Ela está ótima. Nós dois estamos ótimos. Estávamos dormindo.
Bem, de qualquer modo, eu fiquei com fome e saí pra comer uma pizza, fui a uma pizzaria.
É?
Tem alguma coisa contra pizza?
Pizza é lixo.
Ah, você não sabe o que é bom. De qualquer modo, eu me sentei na pizzaria e pedi uma pizza especial. “Me dê a melhor”, eu disse a eles. Fiquei lá sentada, e eles trouxeram e disseram que era dezoito dólares. Eu disse que não podia pagar dezoito dólares. Eles riram e se afastaram, e eu comecei a comer a pizza.
Como estão suas irmãs?
Não moro mais com elas. As duas me expulsaram. Foram esses interurbanos pra você. Algumas contas de telefone passavam dos duzentos dólares.
Eu lhe disse pra parar de ligar.
Cala a boca. Era minha maneira de soltar a pressão devagar. Você me deve uma coisa.
Tudo bem, vá em frente.
Bem, como eu ia dizendo, comecei a comer a pizza e a me perguntar como ia pagar. Aí senti sede. Precisava de uma cerveja, e por isso levei a pizza pro balcão e pedi uma cerveja. Bebi e comi mais um pouco de pizza, e depois notei um texano alto parado junto de mim. Devia ter quase dois metros. Me pagou uma cerveja. Estava pondo discos na vitrola automática, só música country. O lugar era country. Você não gosta de música country, gosta?
Não gosto é de pizza.
Seja como for, dei um pedaço de pizza ao texano alto e ele me pagou outra cerveja. Ficamos tomando cerveja e comendo pizza até acabar a pizza. Ele pagou a pizza e a gente foi pra outro bar. Dançamos. Ele era bom dançarino. A gente bebia e ia de um bar country pra outro. Todo bar que a gente entrava era country. A gente tomava cerveja e dançava. Ele era um ótimo dançarino.
É?
Finalmente ficamos com fome de novo e fomos a um drive-in comer um hambúrguer. Comemos os hambúrgueres e aí, de repente, ele se curvou sobre mim e me beijou. Foi um beijo quente. Uau!
Oh?
Eu disse a ele: “Diabos, vamos pra um motel.” E ele disse: “Não, vamos pra minha casa.” E eu disse: “Não, quero ir prum motel.” Mas ele insistiu em ir pra casa dele.
Havia uma esposa?
Não, a esposa dele está na cadeia. Matou uma das filhas deles a tiros, de dezessete anos.
Entendo.
Bem, ele ainda tinha outra filha. Ela tinha dezoito anos e ele me apresentou a ela e depois fomos pro quarto.
Eu tenho de ouvir os detalhes?
Me deixa falar! Sou eu que estou pagando este telefonema. Eu paguei todos esses telefonemas! Você me deve alguma coisa, logo, me escute!
Vá em frente.
Bem, a gente entrou no quarto e tirou a roupa. Ele estava verdadeiramente bêbado, mas tinha o pau terrivelmente roxo.
Quando os bagos são roxos é que há problema.
Seja como for, caímos na cama e brincamos um pouco. Mas havia um problema...
Bêbado demais?
É. Mas o principal é que ele só sentia tesão quando a filha entrava no quarto ou fazia barulhos... tipo tossir ou usar a descarga no toalete. Qualquer visão ou sinal da filha deixava ele ligado, o cara ficava excitado mesmo.
Eu compreendo.
Compreende?
Sim.
Seja como for, de manhã ele me disse que eu tinha uma casa pra vida toda, se quisesse. Mais uma pensão de trezentos dólares semanais. Tinha uma casa muito bacana: dois e meio banheiros, três ou quatro aparelhos de TV, uma estante cheia de livros: Pearl S. Buck, Agatha Christie, Shakespeare, Proust, Hemingway, os Clássicos Harvard, centenas de livros de cozinha e a Bíblia. Tinha dois cachorros, um gato, três carros...
Sim?
Era só o que eu queria contar a você. Tchau.
Joanna desligou. Tony pôs o fone no gancho, e o telefone no chão. Deitou-se. Esperava que Francine estivesse dormindo. Não estava.
Que era que ela queria? – ela perguntou.
Me contou uma história de um cara que comia as filhas.
Por quê? Por que ela ia lhe contar isso?
Acho que pensou que me interessaria; além do fato de ter fodido com ele também.
Você se interessou?
Na verdade, não.
Francine virou-se para ele e ele passou o braço em torno dela. Os bêbados das três horas da manhã, em todos os Estados Unidos, fitavam as paredes, depois de terem finalmente desistido. Não era preciso ser bêbado para se machucar, para cair sob a mira de uma mulher; mas a gente podia se machucar e se tornar um bêbado. Você podia pensar por algum tempo, sobre tudo quando era jovem, que estava com sorte, e às vezes estava mesmo. Mas havia todo tipo de médias e leis em ação das quais você nada sabia, mesmo quando imaginava que tudo ia indo bem. Uma noite, uma quente noite veranil de quinta-feira, você se tornava o bêbado, você estava lá fora sozinho num quarto de aluguel barato, e por mais que tivesse visto isso antes, não adiantava, era até pior, porque você tinha pensado que não teria de enfrentar aquilo de novo. A única coisa que podia fazer era acender mais um cigarro, servir outra bebida, examinar as paredes descascadas em busca de olhos e lábios. O que homens e mulheres se faziam uns aos outros estava além da compreensão.
Tony puxou Francine para mais perto, comprimiu o corpo tranquilamente contra o dela e ficou ouvindo-a respirar. Era horrível ter de ser sério sobre uma merda daquela de novo.
Los Angeles era muito estranha. Ele ouvia. Os pássaros já haviam despertado, cantando, mas ainda estava escuro como breu. Logo as pessoas estariam se dirigindo para as autoestradas. A gente ouviria as autoestradas zumbirem, outros carros sendo ligados por toda parte nas ruas. Enquanto isso, os bêbados das três da manhã do mundo estariam deitados em suas camas, tentando em vão dormir, e merecendo esse repouso, se pudessem encontrá-lo.

Charles Bukowski, in Numa Fria

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