A
maior parte do tempo eu não me importo de envelhecer. Algumas coisas
me causam uma pontinha de dor, como os patinadores. Como eles parecem
livres, deslizando com suas pernas compridas, os cabelos tremulando
atrás. Outras coisas me causam pânico, como as portas dos trens da
área da baía de San Francisco. Aquela longa espera antes que as
portas se abram, depois que o trem para. Não é muito longa, mas é
longa demais. Não há tempo.
E
as lavanderias. Mas elas já eram um problema mesmo quando eu era
jovem. Demoram demais, mesmo as Speed Queens. Dá tempo de a sua vida
inteira passar diante dos seus olhos enquanto você fica lá, se
afogando. Claro que, se tivesse carro, eu poderia ir à loja de
ferragens ou ao correio e depois voltar para botar as roupas na
secadora.
As
lavanderias que não têm atendentes são piores ainda. Aí é que
parece mesmo que eu sou sempre a única pessoa que fica lá. Mas
todas as máquinas de lavar e de secar estão ocupadas… todo mundo
foi para a loja de ferragens.
Foram
tantos os atendentes de lavanderia que eu conheci, os Carontes de
plantão, que trocam dinheiro ou que nunca têm troco. Agora é a
gorda Ophelia, que pronuncia “Sem problema” como “Fem
problema”. Ela quebrou a dentadura de cima mordendo um pedaço de
charque. É tão peituda que tem que virar de lado e avançar em
diagonal para conseguir passar pelas portas, como quem transporta uma
mesa de cozinha. Quando vem andando pelo corredor com um esfregão,
todo mundo se afasta e afasta os cestos também. Ela é uma saltadora
de canais. Justo quando a gente acabou de se acomodar para ver The
Newlywed Game, ela muda para Ryan’s Hope.
Uma
vez, para ser educada, eu disse a ela que também andava tendo
calores, então é a isso que ela me associa… à menopausa. “Como
é que tá indo com os calorões?”, ela pergunta, alto, em vez de
“Oi, tudo bem?”. O que só piora a situação, a coisa de ficar
lá sentada, refletindo, envelhecendo. Meus filhos já estão todos
crescidos agora, então eu passei de cinco máquinas de lavar para
uma, mas uma demora tanto quanto cinco.
Eu
me mudei na semana passada, talvez pela ducentésima vez na vida.
Levei todos os meus lençóis, cortinas e toalhas para a lavanderia,
empilhados até o alto no meu carrinho de compras. A lavanderia
estava muito cheia; não havia máquinas de lavar vazias perto umas
das outras. Pus todas as minhas coisas em três máquinas e fui
trocar dinheiro com Ophelia. Voltei, pus as moedas e o sabão nas
máquinas e as liguei. Só que eu tinha ligado três máquinas
erradas. Três máquinas que haviam acabado de lavar as roupas de um
sujeito.
Fui
imprensada contra as máquinas. Ophelia e o sujeito pararam na minha
frente, me olhando de cima. Sou uma mulher alta, uso meia-calça
tamanho mãezona agora, mas os dois eram enormes. Ophelia estava com
um spray de removedor de manchas na mão. O homem estava de bermuda
jeans e tinha coxas imensas, cobertas de pelos ruivos. Sua barba
cerrada nem parecia feita de pelos, parecia mais um protetor de
para-choque vermelho. Ele usava um boné de beisebol com um gorila
estampado. O boné não era pequeno, mas o cabelo dele era tão cheio
que empurrava o boné bem lá para cima, no alto da cabeça, fazendo
com que ele ficasse com uns dois metros e vinte de altura. Ele estava
socando com um punho colossal a palma vermelha da outra mão. “Puta
merda! Que merda!” Ophelia não parecia ameaçadora; ela estava me
protegendo, pronta para se enfiar entre mim e ele, ou entre ele e as
máquinas. Vivia dizendo que não havia problema na lavanderia que
ela não soubesse resolver.
“Moço,
é melhor você sentar e relaxar. Não tem como fazer essas máquina
parar depois que elas começa a trabalhar. Assiste um pouco de
televisão, toma uma Pepsi.”
Botei
moedas nas máquinas certas e as liguei. Então me lembrei que estava
completamente dura, que não tinha mais sabão e que aquelas moedas
que eu havia acabado de usar eram para as secadoras. Comecei a
chorar.
“Por
que é que ela tá chorando, porra? O que você acha que isso fez com
o meu sábado, sua retardada? Jesus Maria José.”
Eu
me ofereci para botar as roupas dele nas secadoras, caso ele quisesse
ir a algum lugar.
“Eu
não vou deixar você chegar nem perto das minhas roupas. Tipo, fica
bem longe das minhas roupas, entendeu?” Não havia nenhum outro
lugar para ele se sentar a não ser do meu lado. Ficamos olhando para
as máquinas. Eu queria muito que ele fosse lá para fora, mas ele só
ficou sentado ali, do meu lado. Sua imensa perna direita vibrava
feito uma máquina de lavar quando está centrifugando. Seis luzinhas
vermelhas cintilavam na nossa direção.
“Você
sempre faz merda desse jeito?”, ele perguntou.
“Olha,
eu lamento muito. Eu estava cansada. Eu estava com pressa.” Comecei
a rir de nervoso.
“Acredite
você ou não, eu estou com pressa. Eu dirijo um guincho. Seis dias
por semana. Doze horas por dia. E é isso. Este é o meu dia de
folga.”
“Você
estava com pressa pra quê?” Eu perguntei com a intenção de ser
gentil, mas ele achou que eu estava sendo sarcástica.
“Sua
cretina. Se você fosse homem, eu lavava você. Botava essa sua
cabeça oca na secadora e deixava ligada até cozinhar.”
“Eu
disse que lamentava.”
“Óbvio
que você lamenta. O que é que uma anta feito você pode fazer além
de se lamentar? Eu já tinha sacado que você era uma inútil antes
de você fazer aquilo com as minhas roupas. Eu não acredito nisso.
Ela está chorando de novo. Jesus Maria José.”
Ophelia
se plantou na frente dele.
“Para
de azucrinar a paciência dela, tá ouvindo? Acontece que ela está
passando por uma fase difícil, que eu sei.”
Como
ela sabia disso? Fiquei impressionada. Ela sabe de tudo, essa sibila
negra gigante, essa esfinge. Ah, ela deve estar se referindo à
menopausa…
“Eu
posso dobrar as suas roupas, se você quiser”, eu disse para ele.
“Fica
quieta, garota”, disse Ophelia. “A questão é: que importância
isso tem? Daqui a uns fem ano, quem é que vai ligar pra isso?”
“Fem
ano”, ele sussurrou. “Fem ano.”
Eu
também estava pensando nisso. Cem anos. As nossas máquinas estavam
sacudindo para valer, e todas as luzinhas vermelhas dos ciclos
estavam acesas.
“Pelo
menos as suas roupas estão limpas. Eu gastei todo o sabão que eu
tinha.”
“Eu
compro sabão pra você, cacete.”
“Tarde
demais. Mas obrigada assim mesmo.”
“Ela
não estragou o meu dia. Ela estragou a porra da minha semana
inteira! Não tem sabão.”
Ophelia
voltou e se abaixou para cochichar comigo.
“Eu
tô tendo um pouco de corrimento. O médico disse que, se não parar,
eu vou precisar fazer uma curetagem. Você tem corrimento?”
Eu
fiz que não.
“Você
vai ter. Os pobrema femininos não acaba nunca. É uma vida inteira
de pobrema. Eu estou inchada. Você inchou?”
“A
cabeça dela tá inchada”, disse o homem. “Olha, eu vou até o
carro pegar uma cerveja, mas eu quero que você prometa que não vai
chegar perto das minhas máquinas. As suas são a trinta e quatro, a
trinta e nove e a quarenta e três. Gravou?”
“Gravei.
Trinta e dois, quarenta, quarenta e dois.” Ele não achou graça.
As
roupas estavam no último ciclo. Eu ia ter que pendurar as minhas
para secar na cerca.
Quando
recebesse meu pagamento, eu ia voltar com sabão.
“A
Jackie Onassis troca as roupa de cama dela todo santo dia”, disse
Ophelia. “Isso pra mim já é doença.”
“Com
certeza”, concordei.
Deixei
o homem botar as roupas dele num cesto e levá-las para as secadoras
antes de tirar as minhas. Algumas pessoas estavam rindo, mas eu
ignorei. Enchi meu carrinho com toalhas e lençóis encharcados.
Ficou quase pesado demais para empurrar e, como as roupas estavam
molhadas, nem tudo coube. Pendurei as cortinas rosa-choque no ombro.
Do outro lado da lavanderia, pareceu que o homem iria dizer alguma
coisa, depois desviou o rosto.
Levei
um tempo enorme para chegar em casa. E mais tempo ainda para pendurar
tudo, embora tenha conseguido encontrar uma corda. Uma neblina estava
se aproximando.
Enchi
uma caneca de café e me sentei na escada dos fundos. Estava feliz,
calma, sem pressa nenhuma. Na próxima vez que pegar um trem, até
ele parar eu não vou ficar me preocupando em descer. Quando for a
hora, vou descer no momento exato.
Lucia Berlin, in Manual da faxineira: Contos escolhidos
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