quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

O porão

Este porão, que no inverno é excessivamente frio, no verão é um paraíso. Na porta de ferro, acima, algumas pessoas se aproximam para tomar uma brisa durante os dias mais cruentos de janeiro e sujam o chão. Nenhuma janela deixa passar a luz nem o horrível calor do dia. Tenho um espelho grande e um sofá ou cama turca, que um cliente milionário me deu, e quatro colchas que fui adquirindo aos poucos, de outras sem-vergonhices. Em baldes, que o porteiro da casa ao lado me empresta, trago pelas manhãs água para lavar o meu rosto e as mãos. Sou asseada. Tenho um cabide, para pendurar meus vestidos atrás de um cortinado, e uma prateleira para o castiçal. Não há luz elétrica nem água. Minha mesa de cabeceira é uma cadeira, e minha cadeira, uma almofada de veludo. Um de meus clientes, o mais jovenzinho, me trouxe da casa de sua avó retalhos de cortinas antigas, com as quais enfeito as paredes, com figurinhas que recorto das revistas. A senhora de cima me dá o almoço; com o que guardo em meus bolsos e algumas balas, tenho café da manhã. Ter que conviver com ratos me pareceu, num primeiro momento, o único defeito deste porão, pelo qual não pago aluguel. Agora percebo que esses animais não são tão terríveis: são discretos. Em suma, melhor eles que as moscas, que tanto abundam nas casas mais luxuosas de Buenos Aires, onde me davam restos de comida quando eu tinha onze anos. Enquanto os clientes estão aqui, os ratos não aparecem: reconhecem a diferença que existe entre um silêncio e outro; surgem enquanto fico sozinha em meio a qualquer agitação; passam correndo, param por um instante e me olham de viés, como se adivinhassem o que penso deles. Às vezes comem um pedaço de queijo ou de pão que ficou no piso. Não têm medo de mim, nem eu deles. O chato é que não posso armazenar provisões, porque eles comem tudo antes que eu prove. Há pessoas mal-intencionadas que se alegram com essa circunstância e que me chamam de A Fermina dos Ratos. Não quero dar a elas o gosto de me ver pedir emprestadas armadilhas para exterminá-los. Vivo com eles. Reconheço-os e os batizo com nomes de atores de cinema. Um, o mais velho, se chama Charlie Chaplin, outro, Gregory Peck, outro, Marlon Brando, outro, Duilio Marzio; outro, que é brincalhão, Daniel Gélin, outro, Yul Brynner, e uma femeazinha, Gina Lollobrigida, e outra, Sophia Loren. É estranho como esses animaizinhos se apoderaram do porão onde talvez vivessem antes de mim. Até as manchas de umidade adquiriram formas de rato; todas são escuras e um pouco alongadas, com duas orelhinhas e uma cauda longa, em ponta. Quando ninguém me vê, guardo comida para eles em um dos pratinhos que o senhor da casa da frente me deu. Não quero que me abandonem, e se o vizinho vem me visitar e quer acabar com eles com armadilhas ou com um gato, faço um escândalo do qual ele vai se arrepender por toda a vida. A demolição desta casa está anunciada, mas daqui só saio morta. Em cima preparam baús e canastras e não param de empacotar coisas. Na frente da porta da rua estão caminhões de mudança, mas eu passo perto deles como se não os visse. Nunca pedi nem cinco centavos a esses senhores. Eles me espiam o dia todo e acham que estou com clientes, porque falo comigo mesma, para incomodá-los; porque têm raiva de mim, me trancaram com chave; tenho raiva deles, então não peço que me abram a porta. Faz dois dias que acontecem coisas estranhas com os ratos: um me trouxe um anel, outros, uma pulseira, e outro, o mais esperto, um colar. No começo eu não podia acreditar, e ninguém vai acreditar em mim. Sou feliz. E daí que seja um sonho! Tenho sede: bebo meu suor. Tenho fome: mordo meus dedos e meu cabelo. A polícia não virá me buscar. Não vai me exigir o certificado de saúde, nem de boa conduta. O teto está desmoronando, caem folhinhas de grama: deve ser a demolição, que começa. Escuto gritos e nenhum deles diz meu nome. Os ratos têm medo. Coitadinhos! Não sabem, não compreendem o que é o mundo. Não conhecem a felicidade da vingança. Me olho num espelhinho: desde que aprendi a me olhar nos espelhos, nunca me vi tão linda.

Silvina Ocampo, in A fúria

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