sábado, 13 de novembro de 2021

Lar, doce lar

Além de todos os outros usos, os animais podem fazer as árvores de lar, mesmo que elas não gostem nem um pouco dessa ideia.
Pássaros, martas (espécie de mamífero carnívoro comum nas florestas do hemisfério Norte) e morcegos adoram o tronco grosso dos espécimes mais velhos. E ele precisa ser grosso, pois suas paredes espessas isolam muito bem do calor e do frio. Em geral, quem começa os trabalhos é o pica-pau-malhado-grande ou o pica-pau-preto, abrindo um buraco de centímetros de profundidade no tronco. Ao contrário do que se pensa (que o pássaro só constrói sua casa em árvores em decomposição), muitas vezes eles procuram espécimes saudáveis. Afinal, quem se mudaria para uma casa caindo aos pedaços se pudesse construir uma nova ao lado?
Os pica-paus, assim como nós, também querem que seu ninho seja duradouro e estável. Como precisam bater muitas vezes e com força na madeira saudável, ficariam exaustos se terminassem o trabalho num dia só. Por isso, após concluírem a primeira fase da construção, tiram férias de meses e para a segunda fase da obra esperam pela ajuda dos fungos, que aceitam o convite de bom grado, pois normalmente não conseguem penetrar a casca. Eles rapidamente ocupam a abertura e começam a corroer a madeira. Para a árvore, isso é um ataque duplo; para o pica-pau, ao contrário, é uma divisão de tarefas, porque depois de um tempo as fibras da árvore ficam tão frágeis que o trabalho flui com muito mais facilidade.
Como o pica-pau-preto é do tamanho de um corvo, apenas uma toca não basta para tudo o que precisa fazer. Em uma ele choca os ovos, em outra dorme e as restantes usa para mudar de ares. A cada ano as tocas são renovadas, o que se percebe pelas aparas de madeira caídas ao pé das árvores. O pica-pau precisa realizar essa renovação porque, depois que entram, os fungos não param mais de avançar. Penetram o tronco cada vez mais, transformando a madeira em uma massa decomposta na qual fica difícil chocar os ovos. Quando o pica-pau joga essa massa fora, a entrada cresce, mas em algum momento se torna grande e funda, e o chão fica distante da entrada. Com isso, para realizar seu primeiro voo, os filhotes precisam escalar o interior do tronco até a passagem.
É nesse momento que chegam os novos moradores, espécies que não conseguem construir suas tocas na árvore, como a trepadeira-azul, pássaro semelhante a um pica-pau de menor porte que também bica a madeira morta para se alimentar das larvas de besouro e constrói o ninho em tocas antigas de pica-pau-malhado-grande. Mas essa espécie enfrenta um problema: a entrada da toca é grande demais e permite que inimigos roubem seus ovos. Para evitar isso, a trepadeira-azul usa argila para diminuir a entrada.
Falando de predadores, graças às características da madeira as árvores oferecem a seus moradores um serviço especial, mesmo que involuntário. Suas fibras conduzem o som muito bem, motivo pelo qual instrumentos musicais como violinos ou violões são feitos desse material. Um experimento simples mostra como sua acústica é boa: ponha o ouvido na extremidade mais estreita de um tronco caído há muito tempo e peça que outra pessoa bata ou raspe uma pedra na superfície da madeira. Se o local estiver silencioso (como uma floresta), será possível ouvir o som com uma nitidez surpreendente.
Os pássaros que habitam as tocas usam esse princípio como uma espécie de dispositivo de alarme. A diferença é que, em vez de batidinhas inocentes, os ruídos são causados pelas garras de martas ou esquilos. Do alto da árvore é possível ouvi-los, e os pássaros conseguem fugir. Se o ninho estiver ocupado por aves mais jovens, que ainda não voem, o adulto pode ao menos tentar desviar a atenção dos predadores, o que nem sempre funciona. Se o predador alcança o ninho, pelo menos os pais conseguem fugir e podem voltar a pôr ovos para compensar a perda.
Para o morcego a acústica não tem importância, pois suas preocupações são outras. O mamífero também precisa de muitas tocas para criar seus filhotes. No caso do Myotis bechsteinii (também conhecido como morcego-de-bechstein), as fêmeas formam pequenos grupos para cuidar da prole juntas, mas passam poucos dias em cada toca, depois se mudam. O motivo são os parasitas. Se passassem a estação inteira na mesma toca, os parasitas poderiam se multiplicar e atormentar os morcegos.
As corujas não cabem nos buracos de pica-pau, por isso precisam esperar alguns anos para ocupá-los. Nesse período a árvore se decompõe e a abertura cresce. É comum algumas árvores terem um rastro de furos próximos uns dos outros, que acabam se juntando e acelerando o processo. São originalmente construídos por pica-paus, que fazem da árvore uma espécie de “prédio de apartamentos”.
A árvore tenta se defender como pode, porém a essa altura já é tarde demais para agir contra os fungos, pois as portas estão abertas para eles há anos. Mesmo assim ela pode estender consideravelmente sua expectativa de vida se ao menos controlar os ferimentos externos. Com isso, continua se decompondo por dentro, mas permanece estável, como um cano oco, e ainda pode viver mais 100 anos. Essas tentativas de restauração surgem em forma de saliências ao redor das tocas de pica-pau. Há casos raros em que, pouco a pouco, a árvore consegue fechar os buracos, mas em vão: a ave logo volta a bicar a madeira nova sem piedade.
O tronco em putrefação se transforma no lar de comunidades complexas. Formigas formam colônias que devoram a madeira mofada e constroem ninhos que parecem de papelão, depois embebem as paredes com o líquido açucarado excretado pelo pulgão, onde crescem os fungos que, com sua rede de filamentos, dão estabilidade ao formigueiro.
Inúmeras espécies de besouros são atraídas por esse material em putrefação no interior da toca. Como suas larvas demoram anos para se desenvolver, precisam de condições estáveis a longo prazo, ou seja, de árvores que demorarão décadas para morrer e permanecerão em pé por muito tempo. A presença da larva do besouro é garantia de que a toca continua atraente para fungos e outros insetos, que provocam uma chuva contínua de excrementos e serragem sobre o material putrefato.
O fundo da toca também recebe os excrementos de morcegos, corujas e arganazes. Com isso, a matéria em putrefação continua recebendo nutrientes, que servem de alimento, por exemplo, para o besouro Ischnodes sanguinicollis. Ou para as larvas do Osmoderma eremita, escaravelho preto que tem entre 1 e 4 centímetros de comprimento, não gosta de se locomover e prefere passar a vida na escuridão da toca na base de um tronco em decomposição. Como ele mal voa ou anda, muitas gerações de uma mesma família podem viver numa só árvore. Isso explica por que é tão importante manter essas árvores antigas. Se forem derrubadas, esses besouros não conseguirão caminhar até a árvore vizinha.
Mesmo que um dia a árvore desista de lutar e tombe em uma tempestade, ela terá sido valiosa para a comunidade. Ainda não há pesquisas extensas sobre o assunto, mas sabe-se também que quanto maior a biodiversidade na floresta, mais estável é seu ecossistema. Quanto mais espécies, menor a chance de uma delas prosperar à custa de outra, porque sempre haverá adversários a postos. E a mera presença dos cadáveres das árvores pode ajudar no equilíbrio hídrico das outras árvores a seu redor, como vimos no Capítulo 17.

Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam

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