Já passava das 19 horas.
Falando em 19 horas, esse horário
corresponde ao que costumávamos chamar de “7 horas da tarde” no
modo antigo de falar sobre as horas. Nesta nação subterrânea, as
pessoas viviam sob constante iluminação artificial, sem nenhum
verdadeiro amanhecer ou crepúsculo; mas os languidos raios de luz
solar continuavam a brilhar na superfície da Terra, servindo de
terraço para a nação inteira. Nem mesmo uma borboleta sobrevoava a
superfície. Como resultado de constantes guerras, bactérias e gases
venenosos, um grande desastre ocorreu e resultou em um lugar
desolado, desprovido de vida, incapaz de comportar até mesmo uma
simples folha de grama. Os humanos sobreviventes, junto com um
pequeno número de gado e parasitas, conseguiram escapar para o
subterrâneo e preservar suas espécies.
Retornando ao assunto anterior sobre o
que aconteceu após as 19 horas: Penn, do setor Alishia, e Paul, um
fabricante de sapatos de Alishiro, engajaram em uma discussão
acalorada enquanto lambiam o interior de um pote de mel em um quarto
particular.
— Qual é, você não acha que é
completamente ridículo?
Paul gesticulava expansivamente enquanto
falava, tentando o seu melhor para convencer Penn.
— Bem, sim — disse Penn, uma
expressão de perplexidade apareceu em seu rosto.
— Isso é tudo o que tem a dizer, Penn?
Nossa liberdade está sendo tomada de nós, nossa individualidade
ignorada. Como seres humanos, nós queremos fumar tabaco. Nós
queremos beber álcool. Mas o cuzão da Sua Excelência não quer que
bebamos ou fumemos. Qual motivo temos para continuar a viver?
— Ei, mantenha a voz baixa! Não será
bom se alguém nos ouvir.
— Nossa, relaxe. Se alguém nos ouvir,
tenho certeza de que concordará com tudo o que dissemos. É claro,
qualquer um que não seja um cordeiro ainda sob a influência da
abominável 39ª Melodia.
— A propósito, Paul, parece que o
amado banho de música do presidente não tem muito efeito sobre
você.
— Claro que não! — Paul disse,
desavergonhado, inflando seu peito. — O que estou prestes a dizer é
da mais estrita confiança. Primeiro, encoste no meu traseiro por um
momento.
Com os olhos brilhando de curiosidade,
Penn fez o que ele disse e tocou na parte de trás das calças de
Paul. E então ele sentiu algo com uma textura áspera, como uma
lixa.
— Minha nossa, o que é isso? O que
você pôs aí?
Paul riu.
— Você quer saber o que eu fiz? Isto é
um atenuador de vibração, eu o desenvolvi durante um ano usando
fibras reforçadas. Como você sabe, apenas uma pequena parte do
banho de música entra pelos ouvidos; a maior parte vem do chão,
entra no corpo através daquelas cadeiras espirais. Ao colocar o
atenuador de vibração nas minhas calças dessa maneira, posso
reduzir muito as vibrações da 39ª Melodia transmitidas através da
cadeira espiral. É por isso que aquela música devoradora de almas
não me afeta.
— Hum, interessante. Você com certeza
é um homem com brinquedos perigosos. Mas e se for descoberto?
— Se eu for descoberto, saberei que
você falou mais do que devia. Agora escute. Se você ficar quieto,
eu nunca serei descoberto. Eu sou muito bom em gemer para fingir que
minha alma está sendo devorada por aquela música. Até suo
profusamente. É provável que você não saiba disso, mas existem
microfones escondidos na parte da frente dos assentos; todos as
nossas lamúrias são transmitidas para a sala de observação do
Departamento do primeiro-ministro. Todos os seus gemidos, um a um,
são claramente monitorados. Se você se esquecer de gemer, um alarme
irá soar. Eu nunca cometeria esse tipo de erro.
O olhar de desgosto no rosto de Penn
aumentava a cada instante. Ele ficou chocado por um de seus amigos
próximos ser um homem que estava descaradamente enganando o
presidente Miruki — o lorde do mundo subterrâneo, juiz do bem e do
mal. Por trás de todo governo formidável havia um opositor
igualmente formidável. Penn percebeu que Paul não era o único
agente desse crime. Enquanto conversavam, ele sentiu o anestesiante
efeito do banho de música desaparecer aos poucos; e sentiu que ele
mesmo, assim como Paul, estava blasfemando o presidente Miruki.
— Ei, Paul. É melhor você ter cuidado
com a Bara. Ela estava encrencando, te chamando de porco. Se ela
acabar descobrindo seu grande segredo, a coisa ficará feia.
— Penn, Bara é sua esposa. Contanto
que você não faça besteira, não precisa temer que ela descubra.
— Mas Bara é como uma rosa, seus
espinhos são afiados demais para que eu possa segurá-la em minhas
mãos.
— Penn, para um homem, você com
certeza se lamenta muito.
— Na verdade, estou pensando em
desistir desse casamento. Estar casado com uma mulher como aquela
suga a minha energia.
— Você está mesmo falando sério? Se
você se divorciasse, tenho certeza de que conseguiria outra esposa.
Você tem alguém em mente?
— Está de brincadeira? Não existe
nenhuma garota boa o suficiente para mim. Ei, Paul, para ser sincero…
eu acho que seria ótimo se você não fosse meu amigo, mas sim minha
namorada.
— Namorada? — Paul piscou os
olhos, boquiaberto. — Penn, você está falando sério?
— Se eu estou falando sério? É claro
que estou. Por que você está me perguntando isso?
Paul agarrou a mão de Penn e, em
silêncio, o conduziu para trás de uma divisória no canto da sala.
O som de roupas se misturando pôde ser
ouvido. A camisa de Paul apareceu estendida no topo da divisória.
Houve um tinido e um cinto caiu no chão.
Naquele momento, um grito assustado soou
de trás da divisória; o grito de Penn suprimiu a voz de Paul
tentando acalmá-lo.
— Oh… Era sobre isto que ela falava,
dos rumores sobre você dissecando o próprio corpo. É uma cirurgia.
Você me enoja!
Juza Unno, in A última transmissão
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