sexta-feira, 12 de novembro de 2021

A última transmissão | Capítulo 3


Já passava das 19 horas.
Falando em 19 horas, esse horário corresponde ao que costumávamos chamar de “7 horas da tarde” no modo antigo de falar sobre as horas. Nesta nação subterrânea, as pessoas viviam sob constante iluminação artificial, sem nenhum verdadeiro amanhecer ou crepúsculo; mas os languidos raios de luz solar continuavam a brilhar na superfície da Terra, servindo de terraço para a nação inteira. Nem mesmo uma borboleta sobrevoava a superfície. Como resultado de constantes guerras, bactérias e gases venenosos, um grande desastre ocorreu e resultou em um lugar desolado, desprovido de vida, incapaz de comportar até mesmo uma simples folha de grama. Os humanos sobreviventes, junto com um pequeno número de gado e parasitas, conseguiram escapar para o subterrâneo e preservar suas espécies.
Retornando ao assunto anterior sobre o que aconteceu após as 19 horas: Penn, do setor Alishia, e Paul, um fabricante de sapatos de Alishiro, engajaram em uma discussão acalorada enquanto lambiam o interior de um pote de mel em um quarto particular.
Qual é, você não acha que é completamente ridículo?
Paul gesticulava expansivamente enquanto falava, tentando o seu melhor para convencer Penn.
Bem, sim — disse Penn, uma expressão de perplexidade apareceu em seu rosto.
Isso é tudo o que tem a dizer, Penn? Nossa liberdade está sendo tomada de nós, nossa individualidade ignorada. Como seres humanos, nós queremos fumar tabaco. Nós queremos beber álcool. Mas o cuzão da Sua Excelência não quer que bebamos ou fumemos. Qual motivo temos para continuar a viver?
Ei, mantenha a voz baixa! Não será bom se alguém nos ouvir.
Nossa, relaxe. Se alguém nos ouvir, tenho certeza de que concordará com tudo o que dissemos. É claro, qualquer um que não seja um cordeiro ainda sob a influência da abominável 39ª Melodia.
A propósito, Paul, parece que o amado banho de música do presidente não tem muito efeito sobre você.
Claro que não! — Paul disse, desavergonhado, inflando seu peito. — O que estou prestes a dizer é da mais estrita confiança. Primeiro, encoste no meu traseiro por um momento.
Com os olhos brilhando de curiosidade, Penn fez o que ele disse e tocou na parte de trás das calças de Paul. E então ele sentiu algo com uma textura áspera, como uma lixa.
Minha nossa, o que é isso? O que você pôs aí?
Paul riu.
Você quer saber o que eu fiz? Isto é um atenuador de vibração, eu o desenvolvi durante um ano usando fibras reforçadas. Como você sabe, apenas uma pequena parte do banho de música entra pelos ouvidos; a maior parte vem do chão, entra no corpo através daquelas cadeiras espirais. Ao colocar o atenuador de vibração nas minhas calças dessa maneira, posso reduzir muito as vibrações da 39ª Melodia transmitidas através da cadeira espiral. É por isso que aquela música devoradora de almas não me afeta.
Hum, interessante. Você com certeza é um homem com brinquedos perigosos. Mas e se for descoberto?
Se eu for descoberto, saberei que você falou mais do que devia. Agora escute. Se você ficar quieto, eu nunca serei descoberto. Eu sou muito bom em gemer para fingir que minha alma está sendo devorada por aquela música. Até suo profusamente. É provável que você não saiba disso, mas existem microfones escondidos na parte da frente dos assentos; todos as nossas lamúrias são transmitidas para a sala de observação do Departamento do primeiro-ministro. Todos os seus gemidos, um a um, são claramente monitorados. Se você se esquecer de gemer, um alarme irá soar. Eu nunca cometeria esse tipo de erro.
O olhar de desgosto no rosto de Penn aumentava a cada instante. Ele ficou chocado por um de seus amigos próximos ser um homem que estava descaradamente enganando o presidente Miruki — o lorde do mundo subterrâneo, juiz do bem e do mal. Por trás de todo governo formidável havia um opositor igualmente formidável. Penn percebeu que Paul não era o único agente desse crime. Enquanto conversavam, ele sentiu o anestesiante efeito do banho de música desaparecer aos poucos; e sentiu que ele mesmo, assim como Paul, estava blasfemando o presidente Miruki.
Ei, Paul. É melhor você ter cuidado com a Bara. Ela estava encrencando, te chamando de porco. Se ela acabar descobrindo seu grande segredo, a coisa ficará feia.
Penn, Bara é sua esposa. Contanto que você não faça besteira, não precisa temer que ela descubra.
Mas Bara é como uma rosa, seus espinhos são afiados demais para que eu possa segurá-la em minhas mãos.
Penn, para um homem, você com certeza se lamenta muito.
Na verdade, estou pensando em desistir desse casamento. Estar casado com uma mulher como aquela suga a minha energia.
Você está mesmo falando sério? Se você se divorciasse, tenho certeza de que conseguiria outra esposa. Você tem alguém em mente?
Está de brincadeira? Não existe nenhuma garota boa o suficiente para mim. Ei, Paul, para ser sincero… eu acho que seria ótimo se você não fosse meu amigo, mas sim minha namorada.
Namorada? — Paul piscou os olhos, boquiaberto. — Penn, você está falando sério?
Se eu estou falando sério? É claro que estou. Por que você está me perguntando isso?
Paul agarrou a mão de Penn e, em silêncio, o conduziu para trás de uma divisória no canto da sala.
O som de roupas se misturando pôde ser ouvido. A camisa de Paul apareceu estendida no topo da divisória. Houve um tinido e um cinto caiu no chão.
Naquele momento, um grito assustado soou de trás da divisória; o grito de Penn suprimiu a voz de Paul tentando acalmá-lo.
Oh… Era sobre isto que ela falava, dos rumores sobre você dissecando o próprio corpo. É uma cirurgia. Você me enoja!

Juza Unno, in A última transmissão

Nenhum comentário:

Postar um comentário