Além de todos os outros usos, os animais
podem fazer as árvores de lar, mesmo que elas não gostem nem um
pouco dessa ideia.
Pássaros, martas (espécie de mamífero
carnívoro comum nas florestas do hemisfério Norte) e morcegos
adoram o tronco grosso dos espécimes mais velhos. E ele precisa ser
grosso, pois suas paredes espessas isolam muito bem do calor e do
frio. Em geral, quem começa os trabalhos é o
pica-pau-malhado-grande ou o pica-pau-preto, abrindo um buraco de
centímetros de profundidade no tronco. Ao contrário do que se pensa
(que o pássaro só constrói sua casa em árvores em decomposição),
muitas vezes eles procuram espécimes saudáveis. Afinal, quem se
mudaria para uma casa caindo aos pedaços se pudesse construir uma
nova ao lado?
Os pica-paus, assim como nós, também
querem que seu ninho seja duradouro e estável. Como precisam bater
muitas vezes e com força na madeira saudável, ficariam exaustos se
terminassem o trabalho num dia só. Por isso, após concluírem a
primeira fase da construção, tiram férias de meses e para a
segunda fase da obra esperam pela ajuda dos fungos, que aceitam o
convite de bom grado, pois normalmente não conseguem penetrar a
casca. Eles rapidamente ocupam a abertura e começam a corroer a
madeira. Para a árvore, isso é um ataque duplo; para o pica-pau, ao
contrário, é uma divisão de tarefas, porque depois de um tempo as
fibras da árvore ficam tão frágeis que o trabalho flui com muito
mais facilidade.
Como o pica-pau-preto é do tamanho de um
corvo, apenas uma toca não basta para tudo o que precisa fazer. Em
uma ele choca os ovos, em outra dorme e as restantes usa para mudar
de ares. A cada ano as tocas são renovadas, o que se percebe pelas
aparas de madeira caídas ao pé das árvores. O pica-pau precisa
realizar essa renovação porque, depois que entram, os fungos não
param mais de avançar. Penetram o tronco cada vez mais,
transformando a madeira em uma massa decomposta na qual fica difícil
chocar os ovos. Quando o pica-pau joga essa massa fora, a entrada
cresce, mas em algum momento se torna grande e funda, e o chão fica
distante da entrada. Com isso, para realizar seu primeiro voo, os
filhotes precisam escalar o interior do tronco até a passagem.
É nesse momento que chegam os novos
moradores, espécies que não conseguem construir suas tocas na
árvore, como a trepadeira-azul, pássaro semelhante a um pica-pau de
menor porte que também bica a madeira morta para se alimentar das
larvas de besouro e constrói o ninho em tocas antigas de
pica-pau-malhado-grande. Mas essa espécie enfrenta um problema: a
entrada da toca é grande demais e permite que inimigos roubem seus
ovos. Para evitar isso, a trepadeira-azul usa argila para diminuir a
entrada.
Falando de predadores, graças às
características da madeira as árvores oferecem a seus moradores um
serviço especial, mesmo que involuntário. Suas fibras conduzem o
som muito bem, motivo pelo qual instrumentos musicais como violinos
ou violões são feitos desse material. Um experimento simples mostra
como sua acústica é boa: ponha o ouvido na extremidade mais
estreita de um tronco caído há muito tempo e peça que outra pessoa
bata ou raspe uma pedra na superfície da madeira. Se o local estiver
silencioso (como uma floresta), será possível ouvir o som com uma
nitidez surpreendente.
Os pássaros que habitam as tocas usam
esse princípio como uma espécie de dispositivo de alarme. A
diferença é que, em vez de batidinhas inocentes, os ruídos são
causados pelas garras de martas ou esquilos. Do alto da árvore é
possível ouvi-los, e os pássaros conseguem fugir. Se o ninho
estiver ocupado por aves mais jovens, que ainda não voem, o adulto
pode ao menos tentar desviar a atenção dos predadores, o que nem
sempre funciona. Se o predador alcança o ninho, pelo menos os pais
conseguem fugir e podem voltar a pôr ovos para compensar a perda.
Para o morcego a acústica não tem
importância, pois suas preocupações são outras. O mamífero
também precisa de muitas tocas para criar seus filhotes. No caso do
Myotis bechsteinii (também conhecido como
morcego-de-bechstein), as fêmeas formam pequenos grupos para cuidar
da prole juntas, mas passam poucos dias em cada toca, depois se
mudam. O motivo são os parasitas. Se passassem a estação inteira
na mesma toca, os parasitas poderiam se multiplicar e atormentar os
morcegos.
As corujas não cabem nos buracos de
pica-pau, por isso precisam esperar alguns anos para ocupá-los.
Nesse período a árvore se decompõe e a abertura cresce. É comum
algumas árvores terem um rastro de furos próximos uns dos outros,
que acabam se juntando e acelerando o processo. São originalmente
construídos por pica-paus, que fazem da árvore uma espécie de
“prédio de apartamentos”.
A árvore tenta se defender como pode,
porém a essa altura já é tarde demais para agir contra os fungos,
pois as portas estão abertas para eles há anos. Mesmo assim ela
pode estender consideravelmente sua expectativa de vida se ao menos
controlar os ferimentos externos. Com isso, continua se decompondo
por dentro, mas permanece estável, como um cano oco, e ainda pode
viver mais 100 anos. Essas tentativas de restauração surgem em
forma de saliências ao redor das tocas de pica-pau. Há casos raros
em que, pouco a pouco, a árvore consegue fechar os buracos, mas em
vão: a ave logo volta a bicar a madeira nova sem piedade.
O tronco em putrefação se transforma no
lar de comunidades complexas. Formigas formam colônias que devoram a
madeira mofada e constroem ninhos que parecem de papelão, depois
embebem as paredes com o líquido açucarado excretado pelo pulgão,
onde crescem os fungos que, com sua rede de filamentos, dão
estabilidade ao formigueiro.
Inúmeras espécies de besouros são
atraídas por esse material em putrefação no interior da toca. Como
suas larvas demoram anos para se desenvolver, precisam de condições
estáveis a longo prazo, ou seja, de árvores que demorarão décadas
para morrer e permanecerão em pé por muito tempo. A presença da
larva do besouro é garantia de que a toca continua atraente para
fungos e outros insetos, que provocam uma chuva contínua de
excrementos e serragem sobre o material putrefato.
O fundo da toca também recebe os
excrementos de morcegos, corujas e arganazes. Com isso, a matéria em
putrefação continua recebendo nutrientes, que servem de alimento,
por exemplo, para o besouro Ischnodes sanguinicollis. Ou para
as larvas do Osmoderma eremita, escaravelho preto que tem
entre 1 e 4 centímetros de comprimento, não gosta de se locomover e
prefere passar a vida na escuridão da toca na base de um tronco em
decomposição. Como ele mal voa ou anda, muitas gerações de uma
mesma família podem viver numa só árvore. Isso explica por que é
tão importante manter essas árvores antigas. Se forem derrubadas,
esses besouros não conseguirão caminhar até a árvore vizinha.
Mesmo que um dia a árvore desista de
lutar e tombe em uma tempestade, ela terá sido valiosa para a
comunidade. Ainda não há pesquisas extensas sobre o assunto, mas
sabe-se também que quanto maior a biodiversidade na floresta, mais
estável é seu ecossistema. Quanto mais espécies, menor a chance de
uma delas prosperar à custa de outra, porque sempre haverá
adversários a postos. E a mera presença dos cadáveres das árvores
pode ajudar no equilíbrio hídrico das outras árvores a seu redor,
como vimos no Capítulo 17.
Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam
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