sábado, 9 de outubro de 2021

Um lutador na luta mais nobre

Não desperdice o restante de sua vida com especulações sobre os outros, caso não estejam orientadas para uma utilidade comum. Ao especular sobre o que determinada pessoa faz, diz, pensa e planeja ou quais são suas motivações, você distancia sua atenção da sua própria faculdade hegemônica. Deve, então, identificar seus pensamentos despropositados e inúteis, em especial os excessivamente intrometidos e os perversos. Deve pensar unicamente de modo que, quando questionado “sobre o que está pensando agora”, possa responder abertamente: “Penso nisso ou naquilo.” Desse modo, sua resposta evidenciará sua modéstia e benevolência, próprias de um animal social. Demonstrará não se importar com o prazer ou a sensualidade. Demarcará a distância entre a sua mente e a rivalidade, a inveja, a desconfiança ou qualquer pensamento pelo qual se envergonharia caso precisasse revelá-lo em público.
Um homem de tal estirpe, que não poupa esforços para ser o melhor possível, é como um sacerdote ou um ministro dos deuses. Obedece à deidade que o habita e o impede de ser profanado por prazeres, lesado por dores, tocado por insultos e conivente com perversidades. É um lutador na luta mais nobre — um que não pode ser dominado pelas paixões. Está tingido indelevelmente pela justiça. Acolhe, com toda sua alma, tudo o que acontece e lhe é designado como sua porção. Jamais, exceto por necessidade ou em prol do interesse geral, especula a respeito do que o outro está dizendo, fazendo ou pensando.
Esse homem se dedica exclusivamente ao que lhe concerne. Sempre reconhece que o lote atribuído a ele compõe um todo. Age de forma justa e se contenta com sua porção—pois a carregamos enquanto somos carregados por ela. Recorda-se de seu parentesco com animais racionais e que é da natureza do homem cuidar de seus parentes. Sustenta não a opinião de todos, mas sim a de quem vive confessadamente em harmonia com a natureza. Quanto àqueles que não vivem de tal maneira, mantém em mente o tipo de homem que são—dentro ou fora de casa e durante o dia ou à noite — e na companhia de quem experimentam uma vida impura. Portanto, não valoriza elogios provenientes desses homens, visto que não estão sequer satisfeitos consigo mesmos.

Marco Aurélio, in Meditações

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