As árvores não gostam de oscilações
extremas de temperatura e umidade, porém o clima não abre exceções
nem para as plantas de maior porte. Mas será que é possível as
árvores irem pelo caminho inverso e exercerem influência sobre a
temperatura e a umidade locais?
Minha maior experiência nesse tema se
deu em uma floresta próxima a Bamberg com solo arenoso, seco e pobre
em nutrientes onde, segundo engenheiros florestais, só os pinheiros
vingavam. No passado, para não criar uma monocultura, chegaram a
plantar faias, que com sua folhagem supostamente reduziram a acidez
das agulhas dos pinheiros para os animais do solo. Não se pensou no
plantio de árvores frondosas para a produção de madeira – elas
eram consideradas “árvores de serviço”.
Mas as faias não quiseram assumir
funções secundárias e depois de algumas décadas mostraram de que
eram capazes. Com sua queda anual de folhas, criaram uma camada de
húmus capaz de armazenar bastante água. Além disso, a floresta
ficou cada vez mais úmida, pois as folhas das árvores em
crescimento freavam o vento entre os troncos de pinheiros. Com isso,
menos água passou a evaporar, o que fez as faias prosperarem cada
vez mais e ultrapassarem os pinheiros. O chão da floresta e o
microclima haviam mudado tanto que as condições ficaram mais
propícias para árvores frondosas do que para as modestas coníferas.
Essa transformação é um belo exemplo do que as árvores são
capazes de fazer para mudar o ambiente. Isso é fácil de entender no
que diz respeito à redução do vento, mas como fica o fornecimento
de água? Acontece que, com essas mudanças, no verão o vento quente
não consegue secar o solo florestal, pois ele está sempre à sombra
e protegido.
Estudantes da Universidade RWTH Aachen
descobriram a diferença de temperatura entre uma mata ensolarada de
coníferas e uma antiga mata natural de faias dentro da nossa
floresta. Em um dia quente de agosto (verão no hemisfério Norte) no
qual o termômetro marcava 37oC, o chão da floresta de frondosas
estava cerca de 10 graus mais frio do que o da floresta de coníferas,
a poucos quilômetros de distância. Esse resfriamento, que reduz a
evaporação de água, é causado pelas sombras das frondosas, mas,
sobretudo, pela biomassa da mata de faias.
Quanto mais madeira viva ou morta tem uma
floresta, mais espessa é a camada de húmus do solo e mais água é
armazenada. A evaporação leva ao resfriamento, que por sua vez
reduz a evaporação. Podemos dizer que no verão uma floresta
intacta pode suar e reproduzir o efeito do suor no homem. Para
observar o suor das árvores, basta olhar para as que são plantadas
perto de casas. Muitas vezes elas crescem demais e ficam maiores do
que seus donos esperavam. Podem acabar se aproximando dos muros da
casa, às vezes estendendo galhos sobre o telhado. Nesse ponto de
aproximação surge algo parecido com manchas de suor na parede, que
fica úmida a ponto de permitir que algas e musgo se instalem nas
fachadas e telhas. Com isso a chuva não escorre tão bem, e os
pedaços de musgo carregados pela água entopem as calhas. Com o
passar dos anos, a massa da parede se esfarela com a umidade e
precisa ser refeita antes do tempo normal.
Por outro lado, os motoristas que
estacionam embaixo de árvores não precisam raspar a crosta de gelo
no para-brisa quando o automóvel está a céu aberto. As árvores
podem até causar prejuízo na parte exterior das construções, mas
é fascinante a forma como abetos e outras espécies podem
influenciar o microclima em seu entorno. Assim, vale perguntar: até
que ponto uma floresta intacta poderia influenciar o clima local?
Quem sua muito precisa ingerir bastante
líquido, e durante uma chuva forte é possível observar as árvores
fazendo isso. Como a chuva pesada costuma vir acompanhada de uma
ventania, não recomendo um passeio na floresta. Mas, se você
estiver na rua durante um temporal, pode presenciar uma cena
fascinante, na maioria das vezes proporcionada pelas faias. Em geral
seus galhos são voltados para cima, algo comum entre as árvores
frondosas. Mas durante a chuva elas se inclinam para baixo, pois sua
copa serve para que as folhas captem não apenas a luz do sol, mas
também água.
A chuva cai sobre centenas de milhares de
folhas, e a umidade pinga sobre os galhos. A partir daí, a água
corre para baixo ao longo dos galhos principais, onde pequenos
filetes se juntam em uma corrente e escorrem pelo tronco, descendo
tão rápido que produzem espuma ao chegar ao solo. Em uma
tempestade, um espécime adulto de faia pode reter mais de mil litros
de água, que graças à sua estrutura é conduzida até as raízes,
onde fica armazenada no subsolo a seu redor e é usada nos períodos
de seca.
As píceas e os abetos não têm essa
capacidade. As píceas são mais astutas e conseguem se misturar às
faias, e com isso têm acesso à água, mas os abetos geralmente
vivem juntos, o que significa que passam sede. Sua copa funciona como
um guarda-chuva, o que é bem prático para quem estiver passeando
por perto durante uma precipitação. Se você for pego pela chuva e
ficar debaixo de uma dessas espécies, quase não vai se molhar, o
que também acaba valendo para as raízes da árvore. A água de uma
precipitação de até 10 litros por metro quadrado (uma chuva forte)
fica completamente retida nas agulhas e nos galhos e evapora assim
que as nuvens somem. Com isso, a floresta perde essa valiosa umidade.
Os abetos simplesmente não aprenderam a
se adaptar para enfrentar a falta d’água. Sua zona de conforto são
as regiões frias, nas quais a água do solo quase não evapora por
causa das baixas temperaturas. É o que se vê nos Alpes, pouco antes
dos limites da floresta, onde as altas taxas de precipitação
impedem a falta d’água. No entanto, lá ocorrem fortes nevascas, e
por isso os galhos são perpendiculares ou levemente inclinados para
baixo. Dessa forma, quando a neve se acumula, as árvores suportam
mais peso se inclinando ainda mais para baixo e se apoiando umas nas
outras. No entanto, essa estratégia impede que a água corra por
elas, e, quando o abeto se localiza em zonas mais baixas e secas
(onde não chove nem neva muito), essa vantagem usufruída no inverno
não tem sentido.
Atualmente, grande parte das florestas de
coníferas na Europa Central foi plantada, em locais que consideramos
ideais. Nesses lugares, as árvores sofrem constantemente com a sede,
pois sua estrutura de guarda-chuva retém apenas um terço da
precipitação e a devolve à atmosfera. As florestas de frondosas
retêm e devolvem menos chuva: 15% da precipitação – ou seja,
elas obtêm 15% a mais de água que suas colegas coníferas (os cerca
de 70% restantes das coníferas contra os 85% das frondosas).
Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam
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