sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Ar-condicionado de madeira

As árvores não gostam de oscilações extremas de temperatura e umidade, porém o clima não abre exceções nem para as plantas de maior porte. Mas será que é possível as árvores irem pelo caminho inverso e exercerem influência sobre a temperatura e a umidade locais?
Minha maior experiência nesse tema se deu em uma floresta próxima a Bamberg com solo arenoso, seco e pobre em nutrientes onde, segundo engenheiros florestais, só os pinheiros vingavam. No passado, para não criar uma monocultura, chegaram a plantar faias, que com sua folhagem supostamente reduziram a acidez das agulhas dos pinheiros para os animais do solo. Não se pensou no plantio de árvores frondosas para a produção de madeira – elas eram consideradas “árvores de serviço”.
Mas as faias não quiseram assumir funções secundárias e depois de algumas décadas mostraram de que eram capazes. Com sua queda anual de folhas, criaram uma camada de húmus capaz de armazenar bastante água. Além disso, a floresta ficou cada vez mais úmida, pois as folhas das árvores em crescimento freavam o vento entre os troncos de pinheiros. Com isso, menos água passou a evaporar, o que fez as faias prosperarem cada vez mais e ultrapassarem os pinheiros. O chão da floresta e o microclima haviam mudado tanto que as condições ficaram mais propícias para árvores frondosas do que para as modestas coníferas. Essa transformação é um belo exemplo do que as árvores são capazes de fazer para mudar o ambiente. Isso é fácil de entender no que diz respeito à redução do vento, mas como fica o fornecimento de água? Acontece que, com essas mudanças, no verão o vento quente não consegue secar o solo florestal, pois ele está sempre à sombra e protegido.
Estudantes da Universidade RWTH Aachen descobriram a diferença de temperatura entre uma mata ensolarada de coníferas e uma antiga mata natural de faias dentro da nossa floresta. Em um dia quente de agosto (verão no hemisfério Norte) no qual o termômetro marcava 37oC, o chão da floresta de frondosas estava cerca de 10 graus mais frio do que o da floresta de coníferas, a poucos quilômetros de distância. Esse resfriamento, que reduz a evaporação de água, é causado pelas sombras das frondosas, mas, sobretudo, pela biomassa da mata de faias.
Quanto mais madeira viva ou morta tem uma floresta, mais espessa é a camada de húmus do solo e mais água é armazenada. A evaporação leva ao resfriamento, que por sua vez reduz a evaporação. Podemos dizer que no verão uma floresta intacta pode suar e reproduzir o efeito do suor no homem. Para observar o suor das árvores, basta olhar para as que são plantadas perto de casas. Muitas vezes elas crescem demais e ficam maiores do que seus donos esperavam. Podem acabar se aproximando dos muros da casa, às vezes estendendo galhos sobre o telhado. Nesse ponto de aproximação surge algo parecido com manchas de suor na parede, que fica úmida a ponto de permitir que algas e musgo se instalem nas fachadas e telhas. Com isso a chuva não escorre tão bem, e os pedaços de musgo carregados pela água entopem as calhas. Com o passar dos anos, a massa da parede se esfarela com a umidade e precisa ser refeita antes do tempo normal.
Por outro lado, os motoristas que estacionam embaixo de árvores não precisam raspar a crosta de gelo no para-brisa quando o automóvel está a céu aberto. As árvores podem até causar prejuízo na parte exterior das construções, mas é fascinante a forma como abetos e outras espécies podem influenciar o microclima em seu entorno. Assim, vale perguntar: até que ponto uma floresta intacta poderia influenciar o clima local?
Quem sua muito precisa ingerir bastante líquido, e durante uma chuva forte é possível observar as árvores fazendo isso. Como a chuva pesada costuma vir acompanhada de uma ventania, não recomendo um passeio na floresta. Mas, se você estiver na rua durante um temporal, pode presenciar uma cena fascinante, na maioria das vezes proporcionada pelas faias. Em geral seus galhos são voltados para cima, algo comum entre as árvores frondosas. Mas durante a chuva elas se inclinam para baixo, pois sua copa serve para que as folhas captem não apenas a luz do sol, mas também água.
A chuva cai sobre centenas de milhares de folhas, e a umidade pinga sobre os galhos. A partir daí, a água corre para baixo ao longo dos galhos principais, onde pequenos filetes se juntam em uma corrente e escorrem pelo tronco, descendo tão rápido que produzem espuma ao chegar ao solo. Em uma tempestade, um espécime adulto de faia pode reter mais de mil litros de água, que graças à sua estrutura é conduzida até as raízes, onde fica armazenada no subsolo a seu redor e é usada nos períodos de seca.
As píceas e os abetos não têm essa capacidade. As píceas são mais astutas e conseguem se misturar às faias, e com isso têm acesso à água, mas os abetos geralmente vivem juntos, o que significa que passam sede. Sua copa funciona como um guarda-chuva, o que é bem prático para quem estiver passeando por perto durante uma precipitação. Se você for pego pela chuva e ficar debaixo de uma dessas espécies, quase não vai se molhar, o que também acaba valendo para as raízes da árvore. A água de uma precipitação de até 10 litros por metro quadrado (uma chuva forte) fica completamente retida nas agulhas e nos galhos e evapora assim que as nuvens somem. Com isso, a floresta perde essa valiosa umidade.
Os abetos simplesmente não aprenderam a se adaptar para enfrentar a falta d’água. Sua zona de conforto são as regiões frias, nas quais a água do solo quase não evapora por causa das baixas temperaturas. É o que se vê nos Alpes, pouco antes dos limites da floresta, onde as altas taxas de precipitação impedem a falta d’água. No entanto, lá ocorrem fortes nevascas, e por isso os galhos são perpendiculares ou levemente inclinados para baixo. Dessa forma, quando a neve se acumula, as árvores suportam mais peso se inclinando ainda mais para baixo e se apoiando umas nas outras. No entanto, essa estratégia impede que a água corra por elas, e, quando o abeto se localiza em zonas mais baixas e secas (onde não chove nem neva muito), essa vantagem usufruída no inverno não tem sentido.
Atualmente, grande parte das florestas de coníferas na Europa Central foi plantada, em locais que consideramos ideais. Nesses lugares, as árvores sofrem constantemente com a sede, pois sua estrutura de guarda-chuva retém apenas um terço da precipitação e a devolve à atmosfera. As florestas de frondosas retêm e devolvem menos chuva: 15% da precipitação – ou seja, elas obtêm 15% a mais de água que suas colegas coníferas (os cerca de 70% restantes das coníferas contra os 85% das frondosas).

Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam

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