segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Alvoroço de festa no céu


Não é que na véspera do Carnaval houve no céu uma festa para os bichos da selva?
Os convites foram entregues por um beija-flor que delicadamente os deixava em cima de corolas de vitórias-régias. O bicho que ia passando via o seu nome no envelope e pulava de alegria: tinha sido contemplado com um programa para o fim de semana!
Mas notaram todos que só recebiam convites os bichos de asa. O que era uma injustiça. Pelo menos foi o que o sapo gordo pensou. Os animais de terra estavam conformados, esperando o dia em que houvesse a festa lá na selva mesmo. Mas, como eu disse, o sapo verde não. Todos riam dele e de suas reclamações coaxadas e inúteis.
Ele aproveitou o fim manso de tarde para gritar bem alto e ser bem ouvido:
Eu também vou!
Os pássaros caçoaram e perguntaram:
Cadê tuas asas, bicho feio?
Foi então que pensou: devo consultar quem é igual a mim, porém mais velho. E realmente, no brejo, que ficava entre samambaias e avencas, encontrou um sapo velho e cheio de sabedoria chamado Quá-quá-quá. Este se amedrontou com as intenções do sapo jovem:
Olhe, é melhor para a sua saúde não sair do chão e ter água por perto.
Então o sapo jovem disse-lhe:
O senhor é capaz de guardar um segredo? Pois bem, eu vou dançar lá em cima. Basta-me que o urubu feio leve o seu violão.
Quá-quá-quá disse-lhe que não o entendia.
O sapo foi falar com o urubu:
Você vai levar seu violão, urubu?
O urubu, de violão debaixo da asa, nem se dignou a responder.
Senhor urubu, quer me fazer um único favor? O de ver se estou naquela esquina?
O urubu, meio burro, replicou que, já que era um só favor, ele iria. E não carregou o violão. O sapo mais que depressa entrou no violão e ficou lá bem quieto, embora tivesse uma vontade louca de fumar. O urubu voltou para lhe dizer que não o havia encontrado na esquina – mas cadê o sapo? Sumira, pensou. E pensou: agora vou para o céu.
Para encurtar a história, o sapo, dentro do violão, chegou ao céu e mais do que depressa pulou para fora e começou a dançar todo feliz. Os pássaros se espantaram, perguntaram ao senhor sapo como havia chegado. Mas a alma do negócio é o segredo e o sapo só respondeu malcriado:
É que eu me arranjo sempre! – E entrou de novo sorrateiro no violão para ir embora.
Mas o urubu percebeu a coisa e ficou raivoso:
Espertinho, não é? Pois agora mesmo é que você vai voar, vou te soltar no ar.
Então o sapo pediu todo manhoso:
Está vendo aquela pedra e aquele lago? Pelo amor de Deus, deixe eu cair na pedra porque se eu cair no lago eu me afogo!
Pois é no lago que eu vou te largar, para você morrer!
O sapo, bem feliz, caiu no lago e salvou-se.
Moral da festa? Bem, não houve.

Clarice Lispector, in Doze lendas brasileiras

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