segunda-feira, 5 de julho de 2021

Reprodução

O ritmo lento que regula a vida das árvores também fica evidente no momento em que vão se reproduzir, pois para isso elas se planejam com, no mínimo, um ano de antecedência. Cada espécie tem uma forma de funcionamento. Assim, algumas florescem toda primavera enquanto outras não. Por exemplo, enquanto as coníferas procuram espalhar sementes todo ano, as árvores frondosas buscam outra estratégia. Elas entram em sincronia e decidem se vão florescer na primavera seguinte ou esperar mais um ou dois anos.
Árvores de floresta gostam de florescer todas ao mesmo tempo, pois assim seus genes podem se misturar bem. É o que acontece com as coníferas, mas as árvores frondosas da Europa têm outro motivo para adotar essa tática: os javalis e os cervos, animais que adoram os frutos da faia e do carvalho, alimentos que os ajudam a formar uma camada grossa de gordura para suportarem o inverno. Na composição desses frutos há até 50% de óleos e amido – nenhum outro alimento tem um percentual tão alto a oferecer.
Durante o outono, os animais percorrem florestas inteiras atrás desses frutos, e na primavera não resta quase nenhum broto para germinar. Por isso as árvores entram em sincronia. Se elas não florescem todos os anos, os javalis e os cervos ficam sem esse alimento e sua reprodução acaba sendo limitada, pois as fêmeas prenhes precisam aguentar o longo inverno sem comida, e muitas não sobrevivem. Dessa forma, se as faias ou os carvalhos florescerem e derem frutos todos ao mesmo tempo, os poucos herbívoros que restam não conseguirão comer todos os brotos. Sobrarão sementes suficientes para haver germinação. Nos anos de reprodução das árvores, os javalis conseguem triplicar sua taxa de nascimentos, pois encontram alimento suficiente durante o inverno.
Antigamente, os camponeses aproveitavam que os frutos caíam e levavam seus porcos para a floresta, no intuito de engordá-los e formar uma boa camada de gordura antes de abatê-los. Quando isso acontecia, no ano seguinte a população de javalis normalmente voltava a cair, porque as árvores não se reproduziam, e o solo da floresta ficava vazio.
Esse florescimento em intervalos de vários anos também traz graves consequências para os insetos, especialmente as abelhas, pois elas sofrem do mesmo problema que os javalis: uma pausa de muitos anos no florescimento faz sua população entrar em colapso. Ou melhor, faria, pois as abelhas não conseguem formar grandes populações em florestas de árvores frondosas. O motivo: as florestas não dão a mínima para as pequenas ajudantes. De que adiantam algumas polinizadoras se milhões de flores se abrem por centenas de quilômetros quadrados? Dessa forma, as árvores precisam recorrer a uma estratégia mais confiável e que não exija nenhum tributo. E não há nada mais natural do que o vento dar essa ajuda, pois ele carrega o pólen das flores até as árvores vizinhas. As lufadas de vento ainda têm outra vantagem: sopram em temperaturas mais baixas, às vezes abaixo de 12oC, temperatura fria demais para as abelhas, que permanecem na colmeia.
Provavelmente também é por isso que as coníferas se valem dos ventos para a reprodução. Mas a verdade é que não necessitam dessa estratégia, pois florescem quase todo ano. E não precisam ter medo dos javalis, pois as pequenas nozes de abetos e outras árvores desse tipo não representam uma boa fonte de nutrientes. Até existem espécies de pássaros que se alimentam dos frutos das coníferas, como o cruza-bico, que, como o nome já diz, tira os frutos dos galhos com a ponta do bico forte e cruzado nas extremidades e come as sementes. No entanto, considerando a quantidade geral de frutos, os pássaros não são um grande problema. E como quase nenhum animal gosta de usar as sementes das coníferas como reserva para o inverno, elas soltam suas sementes, que contam com mecanismos que as permitem cair devagar e ser levadas pelo vento.
Como se quisessem superar as árvores frondosas na reprodução, as coníferas liberam uma quantidade imensa de pólen. O volume é tão grande que, na época do florescimento, a menor brisa levanta nuvens de poeira colossais sobre as florestas de coníferas, dando a impressão de que está havendo um incêndio debaixo das copas e a fumaça está subindo.
Com uma situação tão caótica, surge a pergunta: é possível evitar a reprodução consanguínea (entre indivíduos com algum grau de parentesco)? A resposta é que as árvores sobreviveram até hoje porque apresentam uma grande diversidade genética dentro da mesma espécie. Quando todas liberam o pólen ao mesmo tempo, os minúsculos grãos dos espécimes se misturam e atravessam a copa de todas as árvores. Por outro lado, como o pólen se concentra muito em volta da própria árvore que o gera, há uma grande chance de que as flores femininas sejam fecundadas pelo pólen masculino do mesmo espécime. Para evitar que isso aconteça, as árvores criaram diversas estratégias. Muitas espécies – como os abetos – determinam o melhor momento para o lançamento do pólen. Flores masculinas e femininas florescem com intervalo de alguns dias para que a maior parte das femininas seja polinizada por outras árvores da espécie.
Já a cerejeira tem os órgãos reprodutores masculino e feminino na mesma flor, por isso não conta com essa possibilidade. Além disso, é uma das poucas espécies genuinamente florestais que se deixam polinizar por abelhas. Quando o inseto vasculha sua copa inteira, pode acabar distribuindo o pólen de uma árvore entre seus próprios órgãos reprodutores femininos. No entanto, a cerejeira é sensível e pressente o risco de consanguinidade. Quando um grão de pólen entra em contato com o estigma da flor (parte terminal do gineceu que capta os grãos de pólen e onde depois eles germinam), seus genes são ativados, e um tubo se estende até o ovário, em busca de um óvulo. Nesse processo a árvore testa o material genético do pólen. Se a cerejeira descobrir que o pólen é dela própria, ela bloqueia o tubo, que acaba se atrofiando. Só o material genético vindo de outros espécimes e que parece capaz de realizar uma boa fecundação tem passagem liberada para formar sementes e frutos.
Mas como a árvore consegue distinguir se o material genético é dela? Até hoje não se tem certeza. Sabe-se apenas que os genes são ativados pelo pólen de outros espécimes e só com isso ele consegue passar. Pode-se dizer que a árvore consegue sentir. O mesmo vale para nós, seres humanos. O sexo significa mais do que a simples liberação de substâncias químicas, que por sua vez ativam a secreção corporal. De qualquer modo, o que a árvore vivencia durante a reprodução é algo que permanecerá por muito tempo apenas no campo das especulações.
Muitas espécies impedem a consanguinidade por um mecanismo bem eficaz: cada indivíduo tem apenas um sexo. Assim, existem salgueiros machos e salgueiros fêmeas, que nunca poderão se reproduzir sozinhos; apenas com espécimes do sexo oposto.
Mas os salgueiros não são árvores típicas de florestas. São pioneiras, ou seja, crescem onde não há floresta. Nesses terrenos abertos costumam crescer milhares de ervas e arbustos, que, ao florir, atraem abelhas. Com isso, os salgueiros se aproveitam e também contam com a ajuda dos insetos para realizar sua polinização.
Nesse momento surge um problema: as abelhas precisam voar até o salgueiro macho e pegar o pólen para só depois transportá-lo até as árvores fêmeas. Na ordem inversa não ocorre fecundação. Como a árvore é capaz de realizar esse feito se ambos os sexos florescem ao mesmo tempo? Cientistas descobriram que o salgueiro exala um odor que atrai as abelhas. Quando os insetos se aproximam da árvore, podem se orientar pela visão. Por isso, o macho faz um grande esforço para que seus amentos (um tipo de inflorescência densa e pêndula que lembra a cauda de um gato) ganhem uma coloração amarela viva. Isso chama a atenção das abelhas primeiro para eles. Quando os insetos se alimentam do açúcar, vão embora e visitam as flores verdes e nada atraentes das fêmeas.8
Apesar de tudo, pode haver casos de consanguinidade nos exemplos apresentados, mas tanto o vento quanto as abelhas agem contra essa possibilidade, pois percorrem longas distâncias, de forma que ao menos parte das árvores recebe pólen de parentes bem distantes e, com isso, renova o banco genético local. Espécies raras e totalmente isoladas podem perder sua diversidade, o que as enfraquece e causa o fim da espécie em poucos séculos.

Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam

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