Aníbal Machado contava que, algum tempo
depois de casado, se viu desempregado e sem dinheiro no Rio.
Desempregado, sem dinheiro e com várias filhas meninas.
O português, dono da casa em que ele
morava, tinha um ar feroz, mas era a flor dos senhorios: esperava
meses e meses que “seu dotoire” pudesse dar alguma coisa por
conta dos atrasados. Mas nem todo credor era assim, e alguns vinham
todo dia bater à porta, enchendo de angústia o escritor.
“O que me salvou foi a praia”, disse
Aníbal. Metia um calção de banho e ia para a areia.
Lá respirava feliz, diante do mar. Um
dia viu um credor que andava de um lado para outro, na calçada. Fez
que não viu — e caiu n'água. O homem foi-se embora...
Se o Rio de Janeiro não tivesse mar,
seria a capital da angústia. Vivi aqui dias tristes, sombrios, em
que faltava não apenas dinheiro como liberdade. Era perigoso visitar
um amigo ou receber uma visita; conversar num bar ou num café, ainda
mais. Só havia um território livre, democrático, onde a gente
podia se encontrar: a praia. Com o vento do mar e o sol, que brilha
para todos. E as ondas recitando Baudelaire:
Homme libre, toujours tu chériras la
mer…
Rubem Braga, in Recado de primavera
Nenhum comentário:
Postar um comentário