quarta-feira, 14 de julho de 2021

A praia

Aníbal Machado contava que, algum tempo depois de casado, se viu desempregado e sem dinheiro no Rio. Desempregado, sem dinheiro e com várias filhas meninas.
O português, dono da casa em que ele morava, tinha um ar feroz, mas era a flor dos senhorios: esperava meses e meses que “seu dotoire” pudesse dar alguma coisa por conta dos atrasados. Mas nem todo credor era assim, e alguns vinham todo dia bater à porta, enchendo de angústia o escritor.
O que me salvou foi a praia”, disse Aníbal. Metia um calção de banho e ia para a areia.
Lá respirava feliz, diante do mar. Um dia viu um credor que andava de um lado para outro, na calçada. Fez que não viu — e caiu n'água. O homem foi-se embora...
Se o Rio de Janeiro não tivesse mar, seria a capital da angústia. Vivi aqui dias tristes, sombrios, em que faltava não apenas dinheiro como liberdade. Era perigoso visitar um amigo ou receber uma visita; conversar num bar ou num café, ainda mais. Só havia um território livre, democrático, onde a gente podia se encontrar: a praia. Com o vento do mar e o sol, que brilha para todos. E as ondas recitando Baudelaire:
Homme libre, toujours tu chériras la mer…

Rubem Braga, in Recado de primavera

Nenhum comentário:

Postar um comentário