Na manhã seguinte, o mar ainda não
apaziguado rolava em ondas longas e vagarosas, de um volume enorme, e
empenhadas em meio aos borbotões do rastro do Pequod
empurravam-no adiante como as mãos espalmadas de um gigante. A brisa
forte e galharda era tão abundante que céu e ar se afiguravam
imensas velas enfunadas; o mundo inteiro avançava ao vento.
Encoberto em plena luz matinal, o sol invisível só se reconhecia
pela intensidade irradiada de seu posto; de onde seus raios de
baioneta partiam às medas. Adornos, como os dos reis e rainhas
coroados da Babilônia, reinavam sobre tudo. O mar era como uma
copela de ouro fundido, que, jorrando, salta com luz e calor.
Longamente impondo-se um silêncio
encantado, Ahab permaneceu a distância; e sempre que o gurupés do
navio, que jogava da popa à proa, afundava, ele se virava para olhar
os raios brilhantes do sol que surgiam à frente; e, quando o navio
mergulhava pela popa, virava-se para trás para ver o lugar do sol à
retaguarda e como os mesmos raios amarelos se fundiam com o rastro
incontornável.
“Ha, ha, meu navio! Tu bem poderias ser
tomado pela carruagem marítima do sol. Ho, ho! Vós, nações
perante minha proa, eu vos trago o sol! Aparelhai-vos sempre mais,
ondas distantes! Olá! Um tandem, eu dirijo o mar!”
Mas de repente, freado por um pensamento
contrário, correu em direção ao leme, exigindo roucamente saber
qual era a direção do navio.
“Lés-sudeste, senhor”, disse o
timoneiro assustado. “Mentes!”, acertando-lhe com o punho
cerrado. “Rumo leste a essa hora da manhã com o sol à ré?”
Diante disso, todos os marinheiros
ficaram confusos; pois o fenômeno então observado por Ahab escapara
inexplicavelmente a todos; mas a própria evidência incompreensível
deve ter sido a causa.
Avançando com a cabeça a meio palmo da
bitácula, Ahab deu uma olhada nas bússolas; seu braço levantado
tombou devagar; por um instante, pareceu a ponto de cambalear. De pé
atrás dele, Starbuck olhou e, oh!, as duas bússolas indicavam leste
e era certo que o Pequod estava navegando para oeste.
Mas, antes que o primeiro alarme
tumultuoso chegasse ao meio da tripulação, o velho, com um riso
seco, exclamou, “Entendi! Já aconteceu antes. Senhor Starbuck, o
estrondo de ontem alterou as nossas bússolas – isso é tudo.
Suponho que já ouviste falar disso antes”.
“Sim, mas nunca antes me tinha
acontecido, senhor”, disse o pálido oficial, com ar sombrio.
Aqui é necessário dizer que acidentes
como esse ocorreram mais de uma vez com navios no transcurso de uma
tempestade violenta. A energia magnética que se desenvolve na agulha
de marear é, como todos sabem, essencialmente da mesma natureza da
eletricidade do céu; portanto, não é de se estranhar que tais
coisas aconteçam. Nos casos em que o raio de fato atingiu a
embarcação, destruindo uma parte das vergas e do cordame, o efeito
sobre a agulha foi por vezes ainda mais fatal; toda a força
magnética da agulha ficou aniquilada, de tal modo que o aço, antes
magnético, ficou tão útil quanto a agulha de tricô de uma velha
senhora. Mas, seja como for, a agulha, por si mesma, nunca mais
recupera a força original, assim estragada ou perdida; e, se as
bússolas da bitácula são afetadas, o mesmo acontece às outras que
se encontram a bordo; mesmo que a mais baixa delas esteja inserida na
sobrequilha.
Deliberadamente de pé em frente à
bitácula e olhando para as bússolas desreguladas, o velho, com a
ponta da mão estendida na direção exata do sol e convencido de que
as agulhas estavam exatamente invertidas, ordenou aos gritos que a
rota do navio fosse alterada. As vergas foram colocadas com
dificuldade; e mais uma vez o Pequod lançou sua proa
intrépida ao vento contrário, pois o suposto vento favorável era
mera trapaça.
Nesse ínterim, quaisquer que fossem seus
pensamentos secretos, Starbuck nada disse, mas com calma expediu as
ordens requeridas; enquanto Stubb e Flask – que em certa medida
pareciam compartilhar de seus sentimentos – também aquiesceram sem
um murmúrio. Quanto aos marinheiros, embora alguns deles
resmungassem em voz baixa, seu medo de Ahab era maior que seu medo do
Destino. Mas, como sempre se dera antes, os arpoadores pagãos
permaneceram inabaláveis; ou, se abalados, apenas por um certo
magnetismo injetado em seus corações amáveis pelo coração
inflexível de Ahab.
Durante algum tempo o velho caminhou pelo
convés em devaneios circulares. Mas, escorregando por acaso com o
salto de marfim, viu os tubos de cobre esmagados do quadrante que no
dia anterior atirara ao convés.
“Tu, pobre e orgulhoso contemplador do
céu e piloto do sol! Ontem eu te destruí, e hoje as bússolas
quiseram destruir a mim. Bem, bem! Mas Ahab é ainda o senhor do ímã.
Senhor Starbuck – uma lança sem o cabo; um pilão; e a menor
agulha de coser velas. Rápido!”
Atreladas, talvez, ao impulso que ditava
a ação que estava por fazer, havia certas razões de prudência,
cujo objetivo seria reanimar o moral da tripulação com um gesto de
sutil habilidade, num caso tão assombroso como o das agulhas
invertidas. Ademais, o velho bem sabia que pilotar por agulhas
desreguladas, embora fosse canhestramente praticável, não era coisa
que marinheiros supersticiosos aceitassem sem alguns sobressaltos e
maus presságios.
“Homens”, disse ele, olhando
fixamente para a tripulação, enquanto o oficial lhe entregava as
coisas que pedira, “meus homens, o trovão inverteu as agulhas do
velho Ahab; mas com esse pedacinho de aço Ahab pode fazer uma à sua
maneira, que nos orientará tão bem quanto qualquer outra.”
Olhares desconcertados de admiração
servil foram trocados entre os marinheiros, enquanto escutavam essas
palavras; e com olhos fascinados aguardaram a tal mágica que se
seguiria. Mas Starbuck olhou para longe.
Com um golpe de pilão Ahab tirou a
cabeça de aço da lança e então, entregando a longa haste de ferro
ao oficial, pediu-lhe que a segurasse reta, sem tocar no convés. Em
seguida, depois de golpear repetidas vezes a extremidade superior da
haste de ferro, colocou em cima do pilão a agulha cega e, com menos
força, bateu ali diversas vezes, com o oficial ainda segurando a
haste como antes. Então, fazendo alguns movimentos estranhos com ela
– talvez indispensáveis para magnetizar o aço, ou com a simples
intenção de aumentar o assombro da tripulação –, pediu um fio
de linho; e, movendo-se para a bitácula, retirou as duas agulhas
invertidas de lá e suspendeu horizontalmente a agulha de vela pelo
meio, sobre uma das rosas-dos-ventos da bússola. De início o aço
deu várias voltas, tremendo e vibrando nas duas extremidades; mas,
por fim, fixou-se em seu lugar, quando Ahab, que esperava ansioso por
esse resultado, se afastou ostensivamente da bitácula e, apontando-a
com o braço esticado, exclamou – “Vede com os vossos olhos se
Ahab não é o senhor do ímã! O sol está a leste e a bússola jura
isso!”.
Um após o outro, eles espiaram, pois
nada senão seus próprios olhos poderiam persuadir uma ignorância
como a deles, e, um após o outro, retiraram-se furtivamente.
Com os olhos flamejantes de desprezo e
triunfo, vocês então encontrariam Ahab em todo o seu orgulho fatal.
Herman Melville, in Moby Dick
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