Não sei por que o MH — Marciano Hipotético — insiste em voltar ao Brasil e ao meu texto, pois aqui ele só encontra perplexidades. Por mais que tente, o MH não consegue nos entender. Ele, que é verde, ficou azul de espanto quando lhe contei que, no país do futebol, o futebol era um mau negócio. Mas como, perguntou, agitando as antenas. Uma população deste tamanho, todo o mundo louco por ele, nenhum outro esporte profissional de massa disputando mercado com ele, um clima que permite a sua prática o ano inteiro — e ele só dá lucro para a CBF? Não consegue sustentar nem uma indústria de revistas especializadas como tem na Espanha e na Itália (ou, para não ir tão longe, na Argentina)? Os seus clubes estão falidos, os seus melhores jogadores são exportados?
Em Marte, contou o MH, apesar da ausência de grama e da fraca gravidade, que desaconselha tiros de meta para a bola não entrar em órbita, o futebol dá dinheiro. Mesmo se houvesse mercado para jogadores com três pernas na Europa, nenhum marciano sonharia em ir jogar lá. Nem no Real Madrid. Por que no Brasil não acontecia o mesmo? Achei melhor mudar de assunto e contar que outro problema do Brasil era a falta de terra para assentar agricultores. Aí o MH ficou roxo de indignação, me acusou de estar gozando com ele, entrou na nave que estacionara no telhado e foi embora.
Agora voltou, não com uma solução, mas com uma tese. Para ele, o problema básico do Brasil é o mesmo da agricultura quando uma safra excede a capacidade de escoamento. No nosso caso, uma superabundância de talento não encontra uma estrutura para absorvê-la. Num país enorme, o talento produzido não tem colocação e, literalmente, transborda. Mesmo os nossos maiores talentos teatrais não sobrevivem naturalmente, de bilheterias, sem subsídio ou patrocínio. Cinema, a mesma coisa. De literatura ninguém vive. E como não se pode diminuir a produção de talento como se diminui a de soja, por mais que tentem emburrecer o país, o problema só cresce. Portanto, me disse o MH, está claro para o que serve o futebol profissional no Brasil, e por que persiste mesmo sendo um fracasso permanente. Ele existe para representar o grande desperdício nacional, o grande paradoxo de um país que não se aproveita. A função do futebol, no Brasil, é ser metáfora.
Dito o quê, o MH partiu outra vez, pois não é doido de ficar aqui.
Luís Fernando Veríssimo, in Time dos sonhos
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