segunda-feira, 7 de setembro de 2020

A morte não é o fim

O poeta americano de cinquenta e seis anos, Prêmio Nobel, um poeta conhecido nos círculos literários americanos como “o poeta dos poetas” ou, às vezes, simplesmente “o Poeta”, está ao ar livre, no deque, de peito nu, moderadamente acima do peso, numa espreguiçadeira parcialmente reclinada, ao sol, lendo, meio supino, moderadamente mas não gravemente acima do peso, vencedor de dois National Book Awards, um National Book Critics Circle Award, um Lamont Prize, duas bolsas da National Endowment for the Arts, um Prix de Rome, uma Lannan Foundation Fellowship, uma MacDowell Medal e um Mildred and Harold Strauss Living Award da Academia e Instituto Americano de Artes e Letras, presidente emérito do PEN, um poeta que duas diferentes gerações de americanos saudaram como a voz de sua geração, agora com cinquenta e seis anos, deitado com uma sunga de banho marca Speedo tamanho XL seca em uma espreguiçadeira de lona de inclinação progressiva sobre o deque de ladrilhos ao lado da piscina doméstica, um poeta que esteve entre os dez primeiros americanos a receber uma “Genius Grant” da prestigiosa Fundação John D. and Catherine T. MacArthur, um dos únicos três americanos agraciados com o Prêmio Nobel de Literatura ainda vivos, 1,75 m, 82 kg, castanhos/castanhos, calva irregular devido à variável aceitação/rejeição de diversos transplantes da categoria Sistemas de Aumento Capilar, está sentado, ou deitado — ou talvez, mais exatamente, apenas “reclinado” — com uma sunga de banho Speedo preta ao lado da piscina doméstica em forma de rim,1 no deque de ladrilhos da piscina, numa espreguiçadeira portátil cujo encosto está agora reclinado quatro cliques a um ângulo de 35o em relação ao piso de ladrilho de mosaico do deque, às 10:20 da manhã de 15 de maio de 1995, o quarto poeta mais frequente nas antologias na história americana das belles lettres, junto a um guarda-sol mas não de fato à sombra do guarda-sol, lendo a revista Newsweek,2 usando a modesta projeção do abdome como suporte inclinado para a revista, usando também sandália de dedo, uma mão atrás da cabeça, a outra mão pendurada do lado e acompanhando a filigrana parda e ocre do caro ladrilho cerâmico espanhol do deque, umedecendo de vez em quando o dedo para virar a página, usando óculos de sol de grau cujas lentes foram quimicamente tratadas para escurecer imperceptivelmente em proporção à intensidade luminosa da luz a que são expostas, usando na mão que brinca no chão um relógio de pulso de qualidade e preço médios, sandália de dedo de imitação de borracha nos pés, as pernas cruzadas na altura do tornozelo e os joelhos ligeiramente separados, o céu sem nuvens e luminoso à medida que o sol da manhã subia e se deslocava para a direita, umedecendo o dedo não com saliva ou transpiração, mas com a condensação que deixava fosco o esguio copo cheio de chá gelado que estava agora bem na beirada da sombra de seu corpo à esquerda superior da cadeira e teria de ser deslocado para continuar naquela sombra fresca, passando o dedo preguiçosamente pelo lado do copo antes de levar o dedo umedecido preguiçosamente até a página, virando de vez em quando as páginas da edição de 19 de setembro de 1994 da revista News week, lendo sobre a reforma do sistema de saúde americano e sobre o trágico Voo 427, lendo um sumário e uma resenha favorável dos livros de não-ficção populares Hot Zone e The Coming Plague, virando às vezes diversas páginas em sucessão, pulando certos artigos e resumos, um eminente poeta americano agora a quatro meses de completar cinquenta e sete anos, um poeta que a principal concorrente da revista Newsweek, a Time, uma vez um tanto absurdamente chamara de “a coisa mais próxima de um genuíno imortal literário hoje vivo”, as canelas quase sem pêlos, a sombra elíptica do guarda-sol aberto se estreitando ligeiramente, as sandálias de imitação de borracha texturizada em ambos os lados da sola, a testa do poeta pontilhada de transpiração, o bronzeado profundo e intenso, o lado interno das coxas quase sem pêlos, o pênis dobrado sobre si mesmo dentro da sunga de banho apertada, o cavanhaque bem aparado, um cinzeiro em cima da mesa de ferro, não bebendo o chá gelado, de vez em quando limpando a garganta, mexendo-se ligeiramente a intervalos na espreguiçadeira de deque pastel para coçar preguiçosamente o arco de um pé com o dedão do outro pé sem tirar as sandálias nem olhar para nenhum dos dois pés, parecendo concentrado na revista, a piscina azul à sua direita e a porta de correr de vidro grosso da casa numa linha oblíqua à sua esquerda, entre ele e a piscina uma mesa redonda de ferro batido branca com um grande guarda-sol de praia empalado no centro cuja sombra não toca mais a piscina, um poeta indiscutivelmente dotado, lendo sua revista em sua espreguiçadeira no deque da piscina nos fundos de sua casa. A piscina doméstica e a área do deque são cercadas de três lados por árvores e arbustos. As árvores e os arbustos, plantados anos antes, densamente entrelaçados e fechados, servem à mesma função essencial de uma cerca de privacidade de sequoia ou de um muro de boa pedra. É o auge da primavera, as árvores e os arbustos estão em plena foliação, intensamente verdes e imóveis, com sombras complexas, o céu inteiramente azul e parado, de forma que todo o tableau formado por piscina, deque, poeta, espreguiçadeira, mesa, árvores e fachada de trás da casa está muito imóvel, composto, quase inteiramente silencioso, o suave gorgolejar da bomba da piscina e dos ralos e o som ocasional do poeta limpando a garganta ou virando as páginas da revista Newsweek são os únicos sons — nem um pássaro, nem distantes cortadores de grama ou tesouras de cerca ou dispositivos para eliminar pragas, nenhum jato no céu nem ruídos abafados e distantes das piscinas das casas de ambos os lados da casa do poeta — nada a não ser a respiração do poeta e o limpar da garganta ocasional do poeta, inteiramente imóvel, composto, fechado, nem mesmo um sopro de brisa para mexer as folhas das árvores e dos arbustos, o viver silencioso envolvendo o imóvel verde da flora vivo e inescapável, igual a nada neste mundo nem em aparência nem em sugestão.

1. Também o primeiro poeta americano nato, nos honrosos 94 anos de história do Prêmio Nobel de Literatura, a recebê-lo, o cobiçado Prêmio Nobel de Literatura.
2. Nunca agraciado com uma John Simon Guggenheim Foundation Fellowship, porém: três vezes rejeitado no início da carreira, tinha razão para acreditar que havia algo de pessoal e/ou político no comitê da Guggenheim Fellowship, e resolvera que podia se danar, morrer de fome, antes de jamais contratar de novo um assistente graduado para preencher o cansativo formulário em três vias da Guggenheim Foundation Fellowship e nunca mais enfrentar a cansativa e desprezível farsa da avaliação “objetiva”.
David Foster Wallace, in Breves entrevistas com homens hediondos

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