Fotograma do filme "As vinhas da ira" (1940), de John Ford
Os
homens estavam carregando o caminhão. Tio John estava na carroceria,
e os outros lhe passavam as coisas. Ele as pegava com cuidado,
prestando atenção para que a superfície do carregamento ficasse no
mesmo nível. A mãe punha a carne de porco restante num panelão, e
Tom e Al levaram ambas as barricas ao rio e lavaram-nas bem.
Amarraram-nas depois no estribo, trouxeram água nos baldes e
encheram-nas. Depois as cobriram com pano de lona, para que a água
não entornasse. Só faltava agora carregar a tenda e o colchão da
avó.
Tom
disse:
— Com
essa carga toda que a gente leva, esse calhambeque vai ferver como o
diabo. É bom a gente levar bastante água.
A
mãe tirou as batatas da panela, trouxe o saco meio vazio da tenda. A
família comeu em pé, jogando a batata de uma mão para a outra até
esfriar.
A
mãe foi à tenda dos Wilson, ficou lá uns dez minutos e voltou
silenciosa.
— Tá
na hora da gente ir — disse.
Os
homens entraram na tenda dos Joad. A avó dormia ainda, de boca
aberta. Eles pegaram-na, com colchão e tudo, e depuseram-na
devagarinho sobre a carroceria, em cima da carga. A avó encolheu as
pernas e fez uma careta, mas não acordou.
Tio
John e o pai estenderam a lona sobre as varetas laterais do caminhão,
de maneira que ela parecia formar uma tenda. As pontas, eles
amarraram nas bordas do veículo. Agora estava tudo pronto. O pai
tirou a bolsa de dinheiro e puxou duas notas amarrotadas. Foi a
Wilson e estendeu-as.
— A
gente gostava que o senhor ficasse com isto, e... — ele apontou
para as batatas e a carne de porco — com isto também.
Wilson
sacudiu energicamente a cabeça.
— Não,
senhor — disse. — Nada disso. Vocês não têm bastante nem para
si mesmos.
— Dá,
até a gente chegar — disse o pai. — Não vai fazer falta. E se
arruma trabalho logo.
— Não,
senhor — disse Wilson. — Fico aborrecido se vocês não levarem
isso.
A
mãe tomou as duas notas das mãos do pai. Alisou-as bem e colocou-as
no chão e pôs-lhes em cima o panelão com a carne de porco.
— Fica
aqui — disse ela. — Se o senhor não quiser, um outro qualquer
fica. — Wilson, cabeça baixa, voltou-se e foi para a sua tenda; e
a lona fechou-se atrás dele.
Por
alguns instantes, a família esperou.
— Bom,
vamo indo — disse Tom. — Acho que são quase quatro horas.
A
família trepou no caminhão, a mãe no alto da carga, ao lado da
avó. Tom, Al e o pai no assento, e Winfield no colo do pai. Connie e
Rosa de Sharon fizeram um ninho num canto da carroceria, junto à
cabine do motorista. O pregador, Tio John e Ruthie iam amontoados
sobre a carga.
O
pai gritou:
— Adeus,
senhor Wilson; adeus, senhora Wilson!
Da
tenda não veio resposta alguma. Tom acionou o motor e o caminhão
arrancou. Quando estavam galgando a pequena estrada que conduzia a
Needles e à estrada principal, a mãe olhou para trás. Wilson
estava parado diante de sua tenda, acompanhando-os com os olhos. O
sol projetava-se em cheio em seu rosto. A mãe agitou a mão para
cumprimentá-lo, mas ele não respondeu ao gesto.
Tom
atravessou a pequena estrada em segunda, para proteger as molas. Em
Needles, parou diante de um posto e verificou a pressão de ar dos
pneus, mandando encher o tanque de gasolina. Comprou duas latas de
gasolina, de cinco galões cada uma, e uma lata de óleo, de dois
galões. Encheu o radiador, pediu um mapa emprestado e estudou-o.
O
empregado do posto, em seu uniforme branco, pareceu estar inquieto,
enquanto a conta não foi paga.
— Vocês
são corajosos — observou ele depois.
Tom
ergueu os olhos de sobre o mapa.
— Por
que você diz isso? — perguntou.
— Ora,
fazer a travessia num calhambeque destes.
— Você
já fez essa travessia?
— Já,
muitas vezes. Mas não numa carcaça assim.
— Quer
dizer que se quebrar um troço qualquer ninguém nos poderá tirar da
encrenca?
— Bem,
talvez sim. Mas é que geralmente ninguém gosta de parar de noite.
Eles têm medo. Aliás, eu também não sou melhor. É preciso muita
coragem pra fazer isso.
Tom
riu.
— Não
é preciso muita coragem quando não se pode fazer outra coisa. Bom,
muito obrigado. Nós vamo indo. — Subiu no caminhão e foi rodando.
O
empregado de branco entrou no escritório do posto, onde um colega
trabalhava num livro-caixa.
— Puxa,
um caminhão cheio de troços como nunca vi!
— Qual?
O calhambeque desses Okies? Todos eles são assim.
— Deus
do céu, eu é que não viajava desse jeito, nunca!
— Bem,
a gente não é besta. Mas esses danados desses Okies andam
completamente malucos, não têm mais nem sentimentos, não são
humanos. Um homem não pode viver assim. Nenhum homem aguenta viver
sujo e na miséria. Valem pouco mais que uns gorilas.
— Nem
num Hudson Super-Six eu gostaria de fazer a travessia do deserto.
Esses carros fazem um barulho de metralhadora.
O
outro debruçou-se de novo sobre o seu livro-caixa. E grossa baga de
suor caiu em seu dedo, parando sobre o maço de faturas cor-de-rosa.
— Você
sabe, eles não se incomodam muito. São tão estúpidos que nem
notam o perigo. Não veem um palmo adiante do nariz, Jesus Cristo! E
então por que é que você se incomoda tanto com eles?
— Eu
não me incomodo. Só disse que eu é que não ia fazer uma coisa
dessas.
— Natural,
é porque você sabe o que significa uma viagem assim. Mas eles não
sabem. — E limpou o suor, que caíra sobre as faturas, com a manga.
John
Steinbeck, in As vinhas da ira
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