Tanto
duvidaram dele, da teoria daquele jovem gênio musical, que ele
resolveu provar pra si mesmo, empiricamente, a teoria de que não
existem animais selvagens. Que os animais são tão ou mais sensíveis
do que os seres humanos. E que são sensíveis sobretudo ao
envolvimento da música, quando esta é competentemente interpretada.
Por
isso, uma noite, esgueirou-se sozinho pra dentro do Jardim Zoológico
da cidade e, silenciosamente, se aproximou da jaula dos orangotangos.
Começou a tocar baixinho, bem suave, a sua magnífica flauta doce,
ao mesmo tempo em que abria a porta da jaula. Os macacões quase que
não pestanejaram. Se moveram devagarinho, fascinados, apenas pra se
aproximar mais do músico e do som.
O
músico continuou as volutas de sua fantasia musical enquanto abria a
jaula dos leões. Os leões, também hipnotizados, foram saindo, pé
ante pé, com o respeito que só têm os grandes aficionados da
música. E assim a flauta continuou soando no meio da noite, mágica
e sedutora, enquanto o gênio ia abrindo jaula após jaula e os
animais o acompanhavam, definitivamente seduzidos, como ele previra.
Uma
lua enorme, de prata e ouro, iluminava os jacarés, elefantes,
cobras, onças, tudo quanto é animal de Deus ali reunido, envolvidos
na sinfonia improvisada no meio das árvores. Até que o músico,
sempre tocando, abriu a última jaula do último animal - um tigre.
Que,
mal viu a porta aberta, saltou sobre ele, engolindo músico e música
- e flauta doce de quebra. Os bichos todos deram um oh! de
consternação. A onça, chocada, exprimiu o espanto e a revolta de
todos:
-
Mas, tigre, era um músico estupendo, uma música sublime! Por que
você fez isso? E o tigre, colocando as patas em concha nas orelhas,
perguntou:
-
Ahn? O quê, o quê? Fala mais alto, pô!
MORAL:
OS ANIMAIS TAMBÉM TÊM DEFICIÊNCIAS HUMANAS.
Millôr
Fernandes,
in Fábulas
fabulosas
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