Podendo
acontecer que algum dos meus leitores tenha pulado o capítulo
anterior, observo que é preciso lê-lo para entender o que eu disse
comigo, logo depois que Dona Plácida saiu da sala. O que eu disse
foi isto:
-
Assim, pois, o sacristão da Sé, um dia, ajudando à missa, viu
entrar a dama, que devia ser sua colaboradora na vida de Dona
Plácida. Viu-a outros dias, durante semanas inteiras, gostou,
disse-lhe alguma graça, pisou-lhe o pé, ao acender os altares, nos
dias de festa. Ela gostou dele, acercaram-se, amaram-se. Dessa
conjunção de luxúrias vadias brotou Dona Plácida. E de crer que
Dona Plácida não falasse ainda quando nasceu, mas se falasse podia
dizer aos autores de seus dias: - Aqui estou. Para que me chamastes?
E o sacristão e a sacristia naturalmente lhe responderiam: -
Chamamos-te para queimar os dedos nos tachos, os olhos na costura,
comer mal, ou não comer, andar de um lado para outro, na faina,
adoecendo e sarando, com o fim de tornar a adoecer e sarar outra vez,
triste agora, logo desesperada, amanhã resignada, mas sempre com as
mãos no tacho e os olhos na costura, até acabar um dia na lama ou
no hospital; foi para isso que te chamamos, num momento de simpatia.
Machado
de Assis, in Memórias póstumas de Brás Cubas
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