De
Garcilaso dela Vega dizia-se que era el mais hermoso y gallardo de
cuantos componian la Corte del emperador. Chamavam-no, sem inveja, el
amado de los dioses y su elegido. Morto com a idade de Cristo
(1503-1536), viveu o grande toledano uma vida de um brilho raro,
distribuída entre um desterro, muitas batalhas e, nos interlúdios,
lindas mulheres, entre as quais sobressai sua maior paixão, dona
Isabel Freyre, dama portuguesa da Corte da imperatriz Isabel, que,
aparentemente, não lhe dava o devido troco. Mas a verdade é que o
poeta-cortesão ia levando, a mão nos copos da espada, um sorriso
nos lábios e estrofes de Virgílio, Dante e Petrarca na ponta da
língua, para amaciar corações outros que não o da bem-amada.
Era
um bravo, à maneira de Villon e de Camões. Tão bem a cavalo como a
pé, amigo de poetas e de santos, morreu nos braços de seu amigo, o
marquês de Lombay, que a Igreja canonizaria como são Francisco de
Borja, depois de, sozinho, dar início ao assalto à fortaleza de
Muy, na Provença. Mas quando repousava-se das armas, empunhava, ao
que se conta, a harpa com igual mestria. Formal, no sentido clássico,
sem ser culterano, soube deixar fluir de sua curta mas magistral obra
poética uma luminosa música verbal que o distingue entre os
pioneiros do chamado Século de Ouro da poesia espanhola. E foi
também um extraordinário inovador, não só com trazer para a
lírica de sua pátria os elementos positivos da escola italiana, mas
com enriquecê-la de criações novas, qual seja a estrofe composta
de versos de cinco, sete e 11 sílabas, conhecida como estrofe-lira,
por ser esta a palavra final do primeiro verso de sua famosa canção
“A la flor de Gnido”:
Si
de mi baja lira
tanto
pudiese el son que en un momento
aplacase
la ira
del
animoso viento
y
la furia del mar, y el movimiento
E
que maior glória para Garcilaso, ver suas inovações constituírem
as formas diletas de poetas espanhóis do século VI da estatura de
frei Luis de León e, sobretudo, san Juan de La Cruz?
Há
um verso do poeta que me encanta, na écloga dedicada ao vice-rei de
Nápoles, em que são personagens seus dois filhos pastoris mais
amados, Salicio e Nemeroso. Vem lá pelo meio do poema, e diz assim:
… cuando
Salicio, recostado
al
pié de una alta haya en la verdura,
por
donde una agua clara con sonido
atravesaba
el fresco y verde prado...
O
verso a que me refiro, como já hão de ter percebido, é o terceiro
do trecho aqui citado: por donde una agua clara con sonido. É inútil
tentar traduzir. Água clara com som, água clara com ruído - nada
terá nunca a beleza natural, a luminosidade de córrego límpido
correndo fagueiro ao sol, o onomatopeísmo substantivo, sem
necessidade de aliterações, do verso original de Garcilaso. São
como sons puros de música.
Eu,
se jamais tivesse feito um verso assim, pendurava as chuteiras.
Vinicius
de Moraes, in Prosa
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