quarta-feira, 7 de novembro de 2018

O sim do não

Nas zonas rurais onde trabalho existe uma curiosa maneira de responder às perguntas formuladas por um estranho. Sobretudo se essas questões solicitam a dicotomia do “sim” e do “não”. Resolve-se da seguinte maneira: responde-se sempre sim. O “não” simplesmente não se diz.
Esta forma de retórica (ou melhor, esta ausência de retórica) traduz a nossa condição geográfica: somos já o Oriente. Não negar é uma educação. Mas esta elegância de trato cria, por vezes, problemas aos que necessitam de respostas claras e concisas. É o meu caso quando chego a uma zona litoral e necessito de organizar o meu trabalho. À minha pergunta:
A maré está a subir? A resposta já aconteceu assim:
Está a subir, sim, senhor, mas já começou a descer há mais de duas horas.
Outras vezes, quando a minha intuição me dá garantias de boletim meteorológico, avanço:
Amanhã vai chover!
Recebi, por vezes, a seguinte resposta:
Vai chover, sim, senhor, mas a chuva, essa, só vai começar a cair na próxima semana.
Uma outra vez, tendo por missão identificar a fauna numa floresta, perguntei a um velho que me acompanhava:
Isto que está a cantar é um pássaro?
É, sim.
E como se chama este pássaro? — quis eu saber.
Bom, este pássaro, nós aqui em Niassa não chamamos bem-bem pássaro. Chamamos de sapo.
Num balanço da aplicação do lema de governação Por um futuro melhor a Televisão de Moçambique fez um inquérito popular. A pergunta era: “Sente que a sua vida está a melhorar?”. Um cidadão respondeu assim:
Está a melhorar, sim, senhor. Mas está a melhorar muito mal”.
Estou evocando estas lembranças para dar contexto à pergunta que norteia toda esta minha intervenção. E a questão é: Moçambique é um país lusófono? Tomando a lógica rural eu responderia, pronto e ligeiro: é, sim, senhor. Mas sei que há outras lógicas que mandariam que eu dissesse: “Não, Moçambique não é um país lusófono”.
Na realidade, as duas respostas estão certas. Para explicar como o “sim” e o “não” se podem acomodar na mesma cama, eu devo falar sobre algo da história de Moçambique e da relação dos moçambicanos com a língua portuguesa.
Mia Couto, in E se Obama fosse africano?

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