Nas
zonas rurais onde trabalho existe uma curiosa maneira de responder às
perguntas formuladas por um estranho. Sobretudo se essas questões
solicitam a dicotomia do “sim” e do “não”. Resolve-se da
seguinte maneira: responde-se sempre sim. O “não” simplesmente
não se diz.
Esta
forma de retórica (ou melhor, esta ausência de retórica) traduz a
nossa condição geográfica: somos já o Oriente. Não negar é uma
educação. Mas esta elegância de trato cria, por vezes, problemas
aos que necessitam de respostas claras e concisas. É o meu caso
quando chego a uma zona litoral e necessito de organizar o meu
trabalho. À minha pergunta:
— A
maré está a subir? A resposta já aconteceu assim:
— Está
a subir, sim, senhor, mas já começou a descer há mais de duas
horas.
Outras
vezes, quando a minha intuição me dá garantias de boletim
meteorológico, avanço:
— Amanhã
vai chover!
Recebi,
por vezes, a seguinte resposta:
— Vai
chover, sim, senhor, mas a chuva, essa, só vai começar a cair na
próxima semana.
Uma
outra vez, tendo por missão identificar a fauna numa floresta,
perguntei a um velho que me acompanhava:
— Isto
que está a cantar é um pássaro?
— É,
sim.
— E
como se chama este pássaro? — quis eu saber.
— Bom,
este pássaro, nós aqui em Niassa não chamamos bem-bem pássaro.
Chamamos de sapo.
Num
balanço da aplicação do lema de governação Por um futuro melhor
a Televisão de Moçambique fez um inquérito popular. A pergunta
era: “Sente que a sua vida está a melhorar?”. Um cidadão
respondeu assim:
“Está
a melhorar, sim, senhor. Mas está a melhorar muito mal”.
Estou
evocando estas lembranças para dar contexto à pergunta que norteia
toda esta minha intervenção. E a questão é: Moçambique é um
país lusófono? Tomando a lógica rural eu responderia, pronto e
ligeiro: é, sim, senhor. Mas sei que há outras lógicas que
mandariam que eu dissesse: “Não, Moçambique não é um país
lusófono”.
Na
realidade, as duas respostas estão certas. Para explicar como o
“sim” e o “não” se podem acomodar na mesma cama, eu devo
falar sobre algo da história de Moçambique e da relação dos
moçambicanos com a língua portuguesa.
Mia
Couto, in E se Obama fosse africano?
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