sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Religião e Moral

Muita gente nos diz que, sem a crença em Deus, um homem não é capaz de ser nem feliz, nem virtuoso. No que diz respeito à virtude, posso falar apenas por observação, não por experiência pessoal. No que diz respeito à felicidade, nem a experiência nem a observação me levaram a pensar que quem tem fé é mais feliz ou mais infeliz, em média, do que aqueles que não a têm. É contumaz encontrar razões “grandiosas” para a infelicidade, porque é mais fácil manter o orgulho se for possível atribuir o infortúnio à falta de fé do que se for necessário atribuí-lo ao fígado. No que diz respeito à moralidade, muito depende de como se compreende esse termo. De minha parte, penso que as virtudes mais importantes são a gentileza e a inteligência. A inteligência é tolhida por qualquer credo, independentemente de qual seja, e a gentileza é tolhida pela crença no pecado e no castigo (essa crença, aliás, é a única que o governo soviético tomou do cristianismo ortodoxo).
Existem diversas maneiras práticas pelas quais a moralidade tradicional interfere naquilo que é socialmente desejável. Uma delas é a prevenção de doenças venéreas. Mais importante é a limitação da população. Avanços na medicina tornaram essa questão muito mais importante do que jamais o foi. Se as nações e raças que continuam se proliferando tanto quanto os britânicos se proliferaram há cem anos não mudarem seus hábitos relativos a esse aspecto, não haverá perspectivas para a humanidade além de guerras e pobreza. Isso é algo que todo estudante inteligente sabe, mas que não é reconhecido pelos dogmatistas teológicos.
Acredito que a decadência das crenças dogmáticas só pode trazer o bem. Não hesito em reconhecer que os novos sistemas de dogmas, como aqueles dos nazistas e dos comunistas, são ainda piores do que os antigos, mas jamais teriam conseguido se apoderar do espírito dos homens se hábitos dogmáticos ortodoxos não lhes tivessem sido incutidos na infância. A linguagem de Stalin é cheia de reminiscências do seminário teológico em que recebeu sua educação. O que o mundo precisa não é de dogma, mas de uma atitude de investigação científica, combinada à crença de que a tortura de milhões de pessoas não é desejável, seja ela infligida por Stalin ou por uma Divindade imaginada à semelhança dos que acreditam.
Bertrand Russell, in Por que não sou cristão

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