terça-feira, 2 de outubro de 2018

Medida do sofrimento

Existem pessoas que são condenadas a saborear somente o veneno das coisas, para quem toda a surpresa é dolorosa e toda a experiência uma nova tortura. Este sofrimento, será dito, tem razões subjetivas e procede de uma constituição particular: mas existe algum critério objetivo para medir o sofrimento? Quem então poderia certificar que meu vizinho sofre mais do que eu mesmo, ou que Cristo tenha sofrido mais do que quem quer que seja. O sofrimento não é apreciável objetivamente, porque ele não se limita ao exterior ou a um problema preciso do organismo, antes, ele surge de acordo com a forma pela qual a consciência o reflete e o sente. Deste ponto de vista, toda a hierarquização torna-se impossível. Cada um conservará seu próprio sofrimento, crendo-lhe absoluto e sem limites. Mesmo se evocássemos as mais terríveis agonias deste mundo, os suplícios mais elaborados, as mortes mais atrozes e os mais dolorosos abandonos, todos os empesteados, os queimados vivos e as vítimas da lentidão da fome, seria a nossa própria dor aliviada? Ninguém saberia encontrar consolação, no momento de agonia, por meio do simples pensamento de que todos os homens são mortais e sofrem, uma vez que, nós mesmos sofrendo, o sofrimento presente ou passado dos outros em nada nos importaria. Neste mundo organicamente deficiente e fragmentário, o indivíduo tende a elevar sua própria consciência à linha do absoluto: assim, cada um vive como se fosse o centro do universo ou da história. Esforçar-se para entender o sofrimento do outro não diminui, portanto, a intensidade do nosso próprio. Em tais casos, as comparações não têm qualquer sentido, pois o sofrimento é um estado que se manifesta na solidão interior e que nada de exterior pode aliviar. Poder sofrer sozinho é uma grande vantagem. O que aconteceria se o semblante humano exprimisse fielmente todo o sofrimento interior, se todo o suplício interior tivesse expressão? Poderíamos ainda conversar? Poderíamos ainda trocar palavras sem escondermos o rosto entre as mãos? A vida seria decididamente impossível se a intensidade de nossos sentimentos pudesse ser lida nos traços de nosso semblante. Nenhuma pessoa ousaria mais, então, mirar-se no espelho, porque uma imagem a um só tempo grotesca e trágica misturaria manchas de sangue aos contornos da fisionomia; feridas sempre abertas e rios de lágrimas incontíveis. Eu provaria uma volúpia cheia de terror em observar, no seio da confortável e superficial harmonia de todos os dias, a explosão de um vulcão que lançasse chamas ardentes como o desespero. Observar a menor ferida de nosso ser abrir-se irremediavelmente para nos transformar inteiramente em perpétua erupção. Somente então teríamos consciência das vantagens da solidão, que torna o sofrimento mudo e inacessível. Neste despertar do vulcão de nosso ser, o veneno acumulado em nós não seria o bastante para envenenar o mundo inteiro?
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

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