Vou
indicar-te quais as regras de conduta a seguir para viveres sem
sobressaltos. (...) Passa em revista quais as maneiras que podem
incitar um homem a fazer o mal a outro homem: encontrarás a
esperança, a inveja, o ódio, o medo, o desprezo. De todas elas a
mais inofensiva é o desprezo, tanto que muitas pessoas se têm
sujeitado a ele como forma de passarem despercebidas. Quem despreza o
outro calca-o aos pés, é evidente, mas passa adiante; ninguém se
afadiga teimosamente a fazer mal a alguém que despreza. É como na
guerra: ninguém liga ao soldado caído, combate-se, sim, quem se
ergue a fazer frente.
Quanto
às esperanças dos desonestos, bastar-te-á, para evitá-las, nada
possuíres que possa suscitar a pérfida cobiça dos outros, nada
teres, em suma, que atraia as atenções, porquanto qualquer objeto,
ainda que pouco valioso, suscita desejos se for pouco usual, se for
uma raridade. Para escapares à inveja deverás não dar nas vistas,
não gabares as tuas propriedades, saberes gozar discretamente aquilo
que tens. Quanto ao ódio, ou derivará de alguma ofensa que tenhas
feito (e, neste caso, bastar-te-á não lesares ninguém para o
evitares), ou será puramente gratuito, e então será o senso comum
quem te poderá proteger. Esta espécie de ódio tem sido perigosa
para muita gente; e alguns despertaram o ódio dos outros mesmo sem
razões de inimizade pessoal. Para te protegeres deste perigo
recorrerás à mediania da tua condição e à brandura do teu
caráter: faz com que os outros saibam que tu és um homem que não
exerce represálias mesmo se ofendido; não hesites em fazer as pazes
com toda a sinceridade. Ser temido, é uma situação tão ingrata em
tua própria casa como no exterior (...) Para causar a tua ruína
qualquer um dispõe de força que baste. E não te esqueças que quem
inspira medo sente ele próprio medo: ninguém pode inspirar terror e
sentir-se seguro!
Resta
considerar o desprezo: mas cada um, se deliberadamente se sujeitar a
ele, se goza de pouca consideração porque quer, e não porque o
mereça, tem na sua mão a faculdade de regular a sua intensidade. Os
inconvenientes do desprezo podem ser atenuados ou pela prática de
boas ações ou pelas relações de amizade com pessoas que tenham
influência sobre alguém especialmente influente; será útil
cultivar tais amizades, sem no entanto nos deixarmos enredar por
elas, não vá a proteção sair-nos mais cara do que o próprio
risco.
Não
há, contudo, forma mais eficaz de proteção do que remetermo-nos à
vida privada, evitando o mais possível falar com os outros, e
falando o mais possível apenas com nós próprios. A conversação
tem um poder de atração subreptício e sedutor, e leva-nos a
revelar os nossos segredos com a mesma facilidade que a embriaguez ou
a paixão. Ninguém é capaz de calar tudo quanto ouviu, mas também
não reproduz exatamente tudo quanto ouviu; e quem não é capaz de
guardar para si a informação também não é capaz de manter
secreto o nome do seu autor. Cada um de nós tem sempre alguém em
quem deposita tanta confiança como em si próprio; no entanto,
embora refreie a tagarelice natural e se contente em falar para um só
ouvinte, o resultado é o mesmo que se falasse em público: em breve
o que era segredo está transformado em boato!
Sêneca,
in Cartas a Lucílio
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