Foto: Renato Augusto Martins
Em
setembro de 1962, um chauffeur no Recife criticava um grande
serviço federal, dizendo-o rico de fama e recursos e pobre de atos e
obras. Rematou a catilinária, deixando-me no hotel, com uma imagem
da nossa avifauna: “Aquilo é urubu-rei, só come sozinho!...”.
Os
Drs. Artur Neiva e Belisário Pena (Viagem científica, Rio de
Janeiro, 1916) registram no sertão de Goiás, em 1912, uma
observação esclarecedora do dito popular pernambucano.
“Em
Goiás, além das espécies referidas, encontra-se com relativa
frequência o Gypagus papa, L, e a respeito desta ave
verificamos uma observação popular verdadeira; queremos referir-nos
ao fato de os outros urubus fazerem carniça depois de o urubu-rei
estar saciado. Certa vez encontramos uma rês morta e em volta enorme
bando de urubus, pousados sobre as árvores próximas; como o lugar
era desabitado, causou-nos estranheza o fato de o cadáver não ser
atacado, apesar de observarmos que alguns urubus passeavam sobre o
corpo do animal sem procurarem alimentar-se; um camarada advertiu-nos
que isto se passava por estar próximo algum urubu-rei, e, na
verdade, logo depois verificamos a presença de cinco destas aves
pousadas na árvore mais elevada das cercanias e que impediam o
ataque da rês por parte dos outros urubus”.
O
Gypagus papa come, aristocraticamente, isolado dos comparsas
subalternos. Depois de farto e ausente é que a urubuzada humilde
toma chegada para o ágape.
Não
sei se justa a aplicação, mas certa fora a imagem sugerida. Jamais
o chefe do serviço imaginaria haver provocado a comparação...
Luís
da Câmara Cascudo, in Coisas que o povo diz
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