Estou em casa, depois de um jogo da
Seleção Brasileira, com dor de cabeça, pensando na chatice em que
o nosso futebol se transformou. Toca o relefone. É Hermínio Bello
de Carvalho, diretamente de São Paulo, em companhia de Dona Neuma da
Mangueira. Conheci Dona Neuma quando tive a honra de desfilar na
Comissão de Frente da Mangueira, que homenageou Carlos Drummond de
Andrade. A escola sagrou-se bicampeã. Sou salgueirense de enfartar,
mas jamais esquecerei do abraço de Dona Neuma e de Dona Zica na
pista, o dia clareando, no Desfile das Campeãs.
Hermínio já me deixou em situações
dificílimas. Uma vez, também em São Paulo, estávamos Hermínio,
Mello Menezes e eu meio de porre, num fim de tarde, dispostos a
aprontar, quando o Mello notou três moças muito engraçadinhas (e,
na aparência, nada ordinárias) na mesa em frente. Paquera vai,
paquera vem, Hermínio fechou a cara:
- Já vi que essas peruas vão estragar a
boêmia.
Procuramos acalmá-lo: que nada, bobagem,
e coisa e tal. As moças vieram pra nossa mesa. O pedaço que me
coube naquele latifúndio mulherístico tinha uns dentes de fazer
botar óculos escuros, uma beleza. Fiz um galanteio. Comparando os
dentinhos dela com pérolas, troço muito original. A jovem agradeceu
e escancarou ainda mais o anúncio luminoso. Hermínio, friamente,
perguntou:
- São naturais ou prótese?
E quando Mello Menezes elogiou os seios
da moreninha, Hermínio repetiu a pergunta. Ora, diante desse clima,
uma delas procurou brincar. Pra descontrair, entende? Disse pro
Hermínio:
- Ainda não sei o seu nome.
Lembram do muxoxo das novelas de antanho,
aquelas bochechas de tédio e descaso e um bico assim, ó? Pois, é.
Hermínio fez uma careta dessas pra coitada e respondeu:
- Chamo-me Valéria.
Eu caí da cadeira e o Mello começou a
chorar. Elas bateram asas, amores paulistanos que poderiam ter sido,
mas não foram.
Pelo telefone, Dona Neuma me deu várias
informações confidenciais sobre, digamos, atributos anatômicos de
Noel Rosa, João da Baiana e de outros monstros sagrados de nossa
música popular. Minha dor de cabeça passou de tanto rir. Quando o
Hermínio apresentava suas despedidas misturadas com o repertório de
Nora Nei fui acometido de curiosidade pouco elegante e perguntei:
- Estão em São Paulo por quê?
Pra um casamento de bacana, responde
Hermínio. E passou a descrever a festa: trombetas na entrada da
igreja, uma orquestra enorme lá dentro, coro, viadinhos.
- Viadinhos? - estranhei.
E o Hermínio, do alto de sua sabedoria:
- Tem em todo lugar, meu filho. Parece
criança...
E eis o fecho de ouro: na recepção, a
noiva, uma verdadeira avalanche de rendas, aproximou-se da gloriosa
Dona Neuma.
- Dona Neuma, é uma honra ter a
Mangueira aqui representada pela senhora.
A resposta:
- Brigada, minha filha. Cê tá tão
linda que eu tou até com saudade do meu cabaço.
God save a Estação Primeira!
Aldir Blanc, in Brasil passado
a sujo
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