quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Sujeito escovado!

Nossas armas, com parte das roupas, campeamos um seguro lugar, deixamos escondidas. Aí, a gente se ajustou no meio do pessoal daquele doutor, que estava na mineração, que eu já disse e o senhor sabe.
Por que não ficamos lá? Sei e não sei. Sesfrêdo esperava de mim toda decisão. Algum remorso, de não se cumprir de ir, de desertados? Não vê que não, desafasto. Gente sendo dois, garante mais para se engambelar, etcétera de traição não sopra escrúpulos, como nem de crime nenhum, não agasta! igual lobisomem verte a pele. Só se, companheiros sobrantes, a gente amiúda no ajuizar o desonroso assunto, isto sim, rança o descrédito de se ser tornadiço covarde. Mas eu podia rever proveito, caçar de voltar dali para a casa-grande de Selorico Mendes, exigir meu estado devido, na Fazenda São Gregório. Temeriam! Assim e silva, como em outro tempo, adiante, podia flauteado comparecer no Buritís Altos, por conta de Otacília ― continuação de amor. Quis não. Suasse saudade de Diadorim? A ponto no dizer, menos. Ou nem não tinha. Só como o céu e as nuvens lá atrás de uma andorinha que passou. Talvez, eu acho, também, que foi juvenescendo em mim uma inclinação de abelhudice! assaz eu queria me estar misturado lá, com os medeiro-vazes, ver o fim de tudo. Em mês de agosto, burití vinhoso... Arassuaí não eram os meus campos... Viver é um descuido prosseguido. Aí, as noites cambando para o entrar das chuvas, os dias mal. Desenguli. ― Tempo de ir. Vamos? ― eu disse para Sesfrêdo. ― Vamos, demais! ― o Sesfrêdo me respondeu.
Ah, eh e não, alto-lá comigo, que assim falseio, o mesmo é. Pois ia me esquecendo! o Vupes! Não digo o que digo, se o do Vupes não orço ― que teve, tãomente. Esse um era estranja, alemão, o senhor sabe! clareado, constituído forte, com os olhos azuis, esporte de alto, leandrado, rosalgar ― indivíduo, mesmo.
Pessoa boa. Homem sistemático, salutar na alegria séria. Hê, hê, com toda a confusão de política e brigas, por aí, e ele não somava com nenhuma coisa: viajava sensato, e ia desempenhando seu negócio dele no sertão ― que era o de trazer e vender de tudo para os fazendeiros: arados, enxadas, debulhadora, facão de aço, ferramentas rógers e roscofes, latas de formicida, arsênico e creolinas; e até papa-vento, desses moinhos-de-vento de sungar água, com torre, ele tomava empreitada de armar. Conservava em si um estatuto tão diverso de proceder, que todos a ele respeitavam. Diz-se que vive até hoje, mas abastado, na capital ― e que é dono de venda grande, loja, conforme prosperou. Ah, o senhor conheceu ele? 0 titiquinha de mundo! E como é mesmo que o senhor frasêia? Wusp? E. Seo Emílio Wuspes... Wúpsis... Vupses. Pois esse Vupes apareceu lá, logo vai me reconheceu, como me conhecia, do Curralinho. Me reconheceu devagar, exatão. Sujeito escovado! Me olhou, me disse: ― Folgo. Senhor estar bom? Folgo... E eu gostei daquela saudação. Sempre gosto de tornar a encontrar em paz qualquer velha conhecença ― consoante a pessoa se ri, a gente se acha de voltar aos passados, mas parece que escolhidas só as peripécias avaliáveis, as que agradáveis foram. Alemão Vupes ali, e eu recordei lembrança daquelas mocinhas ― a Miosótis e a Rosauarda ― as que, no Curralinho, eu pensava que tinham sido as minhas namoradas. ― Seo Vupes, eu também folgo. Senhor também estar bom? Folgo... ― que eu respondi, civilizadamente. Ele pitava era charutos. Mais me disse: ― Sei senhor homem valente, muito valente... Eu precisar de homem valente assim, viajar meu, quinze dias, sertão agora aqui muito atrapalhado, gente braba, tudo... Destampei, ri que ri, de ouvir.
Mas o mais garboso fiquei, prezei a minha profissão. Ah, o bom costume de jagunço. Assim que é vida assoprada, vivida por cima. Um jagunceando, nem vê, nem repara na pobreza de todos, cisco. O senhor sabe! tanta pobreza geral, gente no duro ou no desânimo. Pobre tem de ter um triste amor à honestidade. São árvores que pegam poeira. A gente às vezes ia por aí, os cem, duzentos companheiros a cavalo, tinindo e musicando de tão armados ― e, vai, um sujeito magro, amarelado, saía de algum canto, e vinha, espremendo seu medo, farraposo! com um vintém azinhavrado no conco da mão, o homem queria comprar um punhado de mantimento; aquele era casado, pai de família faminta. Coisas sem continuação... Tanto pensei, perguntei! ― Para que banda o senhor tora? E o Vupes respondeu! ― Eu, direto, cidade São Francisco, vou forte. Para falar, nem com uma pontinha de dedo ele não bulia gesticulado. Então, era mesmo meu rumo ― aceitei ― o destinar! Daí, falei com o Sesfrêdo, que quis também; o Sesfrêdo não presumia nada, ele naquilo não tinha próprio destaque.
Mas os caminhos não acabam.Tal por essas demarcas de Grão-Mogol, Brejo das Almas e Brasília, sem confrontos de perturbação, trouxemos o seoVupes. Com as graças, dele aprendi, muito. O Vupes vivia o regulado miúdo, e para tudo tinha sangue-frio. O senhor imagine! parecia que não se mealhava nada, mas ele pegava uma coisa aqui, outra coisinha ali, outra acolá ― uma moranga, uns ovos, grelos de bambú, umas ervas ― e, depois, quando se topava com uma casa mais melhorzinha, ele encomendava pago um jantar ou almoço, pratos diversos, farto real, ele mesmo ensinava o guisar, tudo virava iguarias! Assim no sertão, e ele formava conforto, o que queria. Saiba-se! Deixamos o homem no final, e eu cuidei bem dele, que tinha demonstrado a confiança minha…
Guimarães Rosa, in Grande sertão: veredas

Nenhum comentário:

Postar um comentário