Se
aceitarmos a abordagem biológica da felicidade, a história se
revela de menor importância, já que a maioria dos acontecimentos
históricos não tem impacto algum sobre nossa bioquímica. A
história pode mudar os estímulos externos que causam a liberação
de serotonina, mas não muda os níveis de serotonina resultantes e,
portanto, não pode tornar as pessoas mais felizes.
Compare
um camponês na França medieval com um banqueiro na Paris de hoje. O
camponês vivia em uma cabana de barro sem aquecimento com vista para
um curral de porcos, ao passo que o banqueiro mora em uma bela
cobertura com todos os últimos aparatos tecnológicos e uma vista
para a Champs-Élysées. Intuitivamente, esperaríamos que o
banqueiro fosse muito mais feliz do que o camponês. No entanto,
cabanas de barro, coberturas e a Champs-Élysées não determinam, de
fato, nosso humor. A serotonina, sim. Quando o camponês medieval
terminava de construir sua cabana de barro, seus neurônios cerebrais
secretavam serotonina, levando-a ao nível X. Quando, em 2015, o
banqueiro quita o pagamento de sua cobertura maravilhosa, neurônios
cerebrais secretam uma quantidade similar de serotonina, levando-a a
um nível X similar. Não faz diferença para o cérebro o fato de
que a cobertura é muito mais confortável que a cabana de barro. Só
o que importa é que, no presente, o nível de serotonina é X. Em
consequência, o banqueiro não seria nem um pouco mais feliz do que
seu tataravô, o pobre camponês medieval.
Isso
é válido não só para nossa vida privada como também para grandes
acontecimentos coletivos. Considere, por exemplo, a Revolução
Francesa. Os revolucionários estiveram bastante ocupados: executaram
o rei, deram terras aos camponeses, declararam os direitos do homem,
aboliram os privilégios dos nobres e travaram guerra contra a Europa
inteira. Mas nada disso mudou a bioquímica francesa. Em
consequência, apesar de todas as reviravoltas políticas, sociais,
ideológicas e econômicas provocadas pela revolução, seu impacto
sobre a felicidade dos franceses foi pequeno. Aqueles que ganharam
uma bioquímica alegre na loteria genética foram tão felizes antes
da revolução quanto depois. Aqueles que com uma bioquímica
melancólica reclamaram de Robespierre e de Napoleão com a mesma
amargura com que haviam reclamando de Luís XVI e Maria Antonieta.
Se
é assim, quão benéfica foi a Revolução Francesa? Se as pessoas
não se tornaram mais felizes, qual o sentido de todo aquele caos,
medo, sangue e guerra? Biólogos jamais teriam atacado a Bastilha. As
pessoas pensam que essa revolução política ou aquela reforma
social as tornarão mais felizes, mas sua bioquímica as trapaceia
repetidas vezes.
Há
um único acontecimento histórico que tem importância real. Hoje,
quando enfim percebemos que a chave para a felicidade está nas mãos
do nosso sistema bioquímico, podemos parar de desperdiçar o tempo
com reformas políticas e sociais, golpes e ideologias e focar, em
vez disso, na única coisa que nos torna realmente felizes: manipular
nossa bioquímica. Se investirmos milhões na compreensão da
bioquímica do nosso cérebro e no desenvolvimento de tratamentos
adequados, podemos tornar as pessoas muito mais felizes do que antes,
sem necessidade de revolução alguma. O Prozac, por exemplo, não
muda regimes políticos, mas ao elevar os níveis de serotonina tira
as pessoas da depressão.
Nada
captura melhor o argumento biológico do que o famoso slogan da New
Age: “A felicidade começa dentro de você”. Dinheiro, status
social, cirurgia plástica, casas bonitas, posições de poder –
nada disso lhe trará felicidade. A felicidade duradoura só vem da
serotonina, da dopamina e da oxitocina.
No
romance distópico de Aldous Huxley, Admirável mundo novo,
publicado em 1932, no auge da Grande Depressão, a felicidade era o
valor supremo, e os medicamentos psiquiátricos substituíam a
polícia e as eleições como a base da política. A cada dia, cada
pessoa toma uma dose de “soma”, um medicamento sintético que
torna as pessoas felizes sem prejudicar sua produtividade e
eficiência. O Governo Mundial, que controla o mundo inteiro, nunca é
ameaçado por guerras, revoluções, greves ou manifestações,
porque todas as pessoas estão extremamente satisfeitas com sua
situação atual, qualquer que seja. A visão de futuro de Huxley é
muito mais perturbadora do que a de George Orwell em 1984. O
mundo de Huxley parece monstruoso para a maioria dos leitores, mas é
difícil explicar por quê. Todo mundo está feliz o tempo todo – o
que poderia haver de errado nisso?
Yuval
Noah Harari, in Sapiens: uma breve história da humanidade
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