“A
constante produção de imagens e de formas verbais rítmicas é uma
prova do caráter simbolizante da fala, de sua natureza poética. A
linguagem tende espontaneamente a se cristalizar em metáforas.
Diariamente as palavras chocam-se entre si e emitem chispas metálicas
ou formam pares fosforescentes. O céu verbal se povoa se cessar de
novos astros. Todos os dias afloram à superfície do idioma palavras
e frases, minando ainda umidade e silêncio por entre suas frias
escamas. No mesmo instante outras desaparecem. De repente, o terreno
baldio de um idioma fatigado se cobre de súbitas flores verbais.
Criaturas luminosas habitam as espessuras da fala, criaturas
sobretudo vorazes. No seio da linguagem há uma guerra civil sem
quartel. Todos contra um. Um contra todos. Enorme massa sempre em
movimento, engendrando-se sem cessar, ébria de si! Nos lábios das
crianças, dos loucos, dos sábios, dos idiotas, dos namorados ou dos
solitários, brotam imagens, jogos de palavras, expressões surgidas
do nada. Por um instante brilham ou lampejam. Depois se apagam.
feitas de matéria inflamada, as palavras se incendeiam mal roçadas
pela imaginação ou pela fantasia. Mas são incapazes de conservar
seu fogo. a fala é a substância ou alimento do poema; não é
porém, o poema. A distinção entre o poema e essas expressões
poéticas – inventadas ontem ou repetidas há mais de mil anos por
um povo que conserva intacto seu saber tradicional — radica-se no
seguinte: o poema é uma tentativa de transcender o idioma; as
expressões poéticas, ao contrário, vivem no mesmo nível da fala e
são resultados do vaivém das palavras nas bocas dos homens. Não
são criações, obras. A fala, a linguagem social, concentra-se no
poema, articula-se e levanta-se. O poema é a linguagem erguida.”
Octavio
Paz, in O arco e a lira
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