Havia
mar nos seus nomes, os dois eram jovens e livres e a vida era curta.
Que outras razões faltavam para Marialva aceitar o convite de Gilmar
e dar um passeio noturno na sua lancha, só os dois, as estrelas e o
Marcão (outro com mar no nome!), um capixaba discreto, segundo
Gilmar, para servir o champanhe? Marialva hesitou. Mal conhecia
Gilmar, e já tinha sido avisada no clube: “Não saia de barco com
aquele ali.” Mas Gilmar era atraente, apesar de pequeno, pois o que
lhe faltava em altura sobrava em dinheiro, e Marialva aceitou, e os
três zarparam num fim de tarde, em meio a um crepúsculo de folhinha
(“Encomendei para você!”, gritou Gilmar, entre risadas das
gaivotas. E depois, fazendo um gesto que englobava tudo, eles, o
barco, o mar e o céu coloridos: “Vidão!”). Marcão, além de
servir o champanhe, o patê e as ostras e cuidar do som (barroco
italiano), pilotava a grande lancha, que balançava suavemente nas
ondas tingidas de lilás, e teve que vir correndo quando o Gilmar se
levantou de onde estava deitado, com a cabeça pousada nas coxas nuas
também tingidas de lilás de Marialva, e precipitou-se para a
amurada do barco. Marcão chegou a tempo de segurar a sua testa
enquanto ele vomitava. Depois Gilmar falou:
— Não
adianta. Vamos voltar.
Na
volta, enquanto Gilmar repousava na cabine, Marialva ouviu de Marcão
a história do seu desafortunado patrão. Era sempre assim. Ele
enjoava até com mar calmo. Às vezes nem dava tempo de chegar à
amurada, era em cima da mesa mesmo. Uma vez a moça que estava com
ele, indignada com os respingos, o agredira com o balde de gelo.
Acontecia todas as vezes. Ele começava a enjoar e tinha que
interromper o passeio. Mas não desistia.
— Por
quê? — quis saber Marialva.
—
Porque é pra isso que ele comprou o
barco. Porque é essa a vida que ele quer. Ou, como ele sempre diz, o
“Vidão!”.
— Mas
por que não mudam pelo menos o cardápio?
— O
quê? E servir chá com torradas? Não seria um vidão.
Dias
depois, Marialva ouviu Gilmar falando com uma bela mulher no bar do
clube. Dizendo:
—
Ostras. Champanhe. Vivaldi. Só nós
dois. E o mar. E se você quiser, providenciarei uma lua cheia. Hein?
Hein?
Luís
Fernando Veríssimo, in Amor veríssimo
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