domingo, 7 de janeiro de 2018

O subsolo - 5

Bom, mas será possível, será possível que um homem possa ter um mínimo de respeito próprio depois de ter tentado buscar prazer até mesmo no sentimento da própria humilhação? Não falo isso agora por causa de algum arrependimento meloso. Mesmo porque, em geral, eu não suportava dizer: “Perdoe-me, paizinho, não vou mais fazer isso” – não porque não fosse capaz de dizer isso, mas, pelo contrário, talvez mesmo porque eu fosse capaz até demais de fazê-lo. Como se fosse de propósito, às vezes me metia em certas situações nas quais nem de longe eu era culpado. Não havia baixeza maior. Nessas ocasiões eu me comovia, me arrependia, derramava lágrimas e, é claro, enganava a mim mesmo, apesar de não estar fingindo nem um pouco. Era o coração que de certa maneira agia aí de modo vil... Nesse caso, não se poderia culpar nem mesmo as leis da natureza, embora elas tenham toda a vida me ofendido, mais do que tudo. Dá asco recordar tudo isso, como era asqueroso também naquela época. Pois após não mais que um minuto eu costumava perceber com ódio que tudo aquilo era mentira, uma mentira repulsiva e pomposa, todos aqueles arrependimentos, enternecimentos e promessas de regeneração. Os senhores perguntarão: para que eu me mutilava e me torturava dessa maneira? Resposta: porque era muito chato ficar sentado de braços cruzados, e então entregava-me a essas extravagâncias. É a pura verdade. Observem-se melhor, senhores, e verão que é assim. Eu fantasiava peripécias e criava uma vida para mim, ao menos para viver, de alguma forma. Quantas vezes eu ficava ofendido, sem nenhum motivo real, simplesmente porque queria? E sabia que havia me sentido insultado sem razão, que havia bancado o ofendido, mas levava a coisa a tal ponto que no final ficava realmente ofendido. Toda a vida, algo me atraía para fazer essas esquisitices, a tal ponto que, afinal, perdi o domínio sobre mim mesmo. Noutra ocasião, quis a qualquer custo apaixonar-me, duas vezes até. E sofri, senhores, asseguro-lhes. No fundo, a pessoa não acredita que está sofrendo, quer fazer uma pilhéria sobre o assunto, mas, apesar disso, eu sofria, e era um sofrimento verdadeiro, real; sentia ciúmes, ficava fora de mim... E tudo isso por tédio, senhores, tudo por tédio; fui esmagado pela inércia. Pois o produto direto, imediato e legítimo da consciência é a inércia, isto é, o ficar-sentado-de-braços-cruzados conscientemente. Já mencionei isso antes. Repito, repito insistentemente: todos os indivíduos e homens de ação diretos são ativos precisamente porque são obtusos e limitados. Como isso se explica? Da seguinte maneira: em consequência de sua tacanhez, tomam os motivos mais próximos e secundários como se fossem os motivos originais e, assim, eles se convencem mais rápida e facilmente do que as outras pessoas de que encontraram um fundamento irrefutável para a sua causa, e então ficam tranquilos. Isso é o mais importante. Pois, para se começar a agir, é preciso que antes se esteja completamente calmo e totalmente livre de dúvidas. E como eu, por exemplo, me tranquilizaria? Onde estão os meus motivos originais, nos quais me apoiaria? Onde estão os fundamentos? De onde vou tirá-los? Faço uma ginástica mental e, em consequência, cada motivo original imediatamente arrasta atrás de si outro, ainda mais original, e vai por aí afora, até o infinito. Essa é precisamente a essência de toda consciência e reflexão. Portanto, novamente já estamos falando das leis da natureza. E, finalmente, qual é o resultado? O mesmo, ora. Lembrem-se: há pouco falei sobre a vingança (os senhores, na certa, não se aprofundaram no assunto). O que eu disse foi: o homem se vinga porque acha que está fazendo justiça. Isso significa que ele encontrou o motivo original, o fundamento, ou seja: a justiça. Disso decorre que ele está tranquilo de todos os lados e consequentemente, efetua sua vingança tranquila e eficiente, pois está convencido de que executa uma ação honesta e justa. De minha parte, não vejo nisso nenhuma justiça, não encontro nenhuma virtude e, por conseguinte, se resolvo me vingar, é unicamente por maldade. A raiva poderia, é claro, suplantar tudo, todas as minhas dúvidas e poderia com pleno êxito servir de motivo original, precisamente porque ela não é o motivo. Mas que fazer se nem mesmo tenho raiva? (Eu comecei, há pouco, falando exatamente disso.) A minha maldade, novamente em consequência dessas malditas leis da consciência, está sujeita à decomposição química. Quando você olha, o objeto já volatilizou, os motivos evaporaram, é impossível encontrar o culpado, a ofensa deixa de ser ofensa e passa a ser uma fatalidade, algo como uma dor de dente, em que não há culpados. Então, o que resta é aquela mesma saída – esmurrar com mais dor ainda o muro. E você desiste de sua vingança porque não encontrou um motivo original. Mas tente abraçar com paixão e cegamente o seu sentimento, sem reflexão, sem buscar o motivo original, afastando a consciência pelo menos temporariamente; sinta ódio ou amor, nem que seja para não ficar sentado de braços cruzados. No mais tardar, depois de amanhã você começará a sentir desprezo por si mesmo, por ter-se enganado conscientemente. O resultado disso: uma bolha de sabão e a inércia. Ah, senhores, pode ser que eu me considere um homem inteligente simplesmente porque em toda a minha vida nada consegui começar nem terminar. Está bem, está bem. Eu sou um tagarela, um tagarela inofensivo e enfadonho, como todos nós. Mas que se há de fazer se o único e evidente destino de todo homem inteligente é tagarelar, ou seja, dedicar-se propositalmente a conversas para boi dormir?

Dostoievski, in Notas do subsolo

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