Fotograma do filme As vinhas da ira
Al,
os olhares correndo da estrada ao painel, disse:
—
Aquele sujeito não é daqui. Não falava
como o pessoal do lugar. E também usava roupas diferentes que a
nossa gente.
E
o pai explicou:
—
Quando eu tava na loja de ferragens,
falei com uns sujeitos que conheço. Eles diss’que esses homens só
vêm pra cá pra comprar as coisas que a gente tem que vender.
Diss’que eles fazem bons negócios. Mas que é que a gente pode
fazer? Talvez fosse bom que o Tommy viesse conosco. Ele talvez
conseguisse mais.
John
disse:
— Mas
aquele sujeito talvez não comprasse nada, mesmo. A gente não podia
trazer aquilo tudo de volta.
— As
pessoas com quem eu falei disseram que eles sempre faz assim —
esclareceu o pai. — Eles assustam a gente, que fica sem saber o que
fazer. A mãe vai ficar decepcionada. Vai ficar aborrecida e
decepcionada.
—
Quando podemos viajar, pai? — perguntou
Al.
— Não
sei. Vamos falar sobre isto hoje de noite, combinar tudo. Tô
satisfeito que o Tom regressou. Isso me fez bem. Tom é um bom rapaz.
Al
disse:
— Pai,
alguns sujeitos falaram sobre o Tom e disseram que ele tava em
liberdade condicional. E disseram que ele não pode sair do estado,
que se sair vai preso outra vez e pegar mais três anos de cadeia.
O
pai teve uma expressão de inquietude.
— Eles
disseram isso? Acha que eles têm razão, hein? Ou tavam só
brincando?
— Não
sei — disse Al. — Eles disseram isso e eu não disse que era
irmão do Tom. Tava só ali perto, escutando.
— Deus
do céu! — disse o pai —, espero que isso não seja verdade. Nós
precisamos do Tom. Vou perguntar pra ele. A gente já tem bastante
encrenca mesmo sem isso. Espero que não seja verdade. A gente tem
que resolver isso hoje de noite.
Tio
John disse:
— O
Tom deve saber disso.
Recaíram
no silêncio, enquanto o caminhão rodava pela estrada. O motor fazia
muito barulho, de momento a momento ouviam-se pequenos estouros e o
freio emitia sons de pancadas. Sentia-se as rodas rangendo feito
madeira e um jato de vapor escapou pela abertura do radiador. O
caminhão levantou uma coluna de poeira atrás de si. Galgavam a
última elevação quando o sol já estava semi-oculto no horizonte,
e ao chegar em frente da casa, o sol havia desaparecido. Os freios
chiaram quando o veículo estacou, e o som que emitiram gravou-se no
cérebro de Al — a lona dos freios estava gasta.
Ruthie
e Winfield treparam nas bordas do caminhão e saltaram ao chão.
— Onde
está ele? Onde está o Tom? — gritaram. Depois viram-no parado
perto da porta e quedaram embaraçados; caminharam lentamente em sua
direção, olhando-o timidamente.
— Alô,
crianças! Como vão?
Responderam
em voz baixa:
— Oi!
Bem.
E
ficaram parados, um pouco afastados, olhando-o disfarçadamente,
olhando o irmão mais velho que matara um homem e que esteve na
prisão. E lembravam-se de como brincaram de cadeia lá no galinheiro
e de como brigaram para ser o preso.
Connie
Rivers baixou um dos lados da carroceria, desceu e ajudou sua mulher
a descer. Ela aceitou o auxílio demonstrando muita dignidade,
erguendo os cantos da boca com afetação num sorriso compenetrado e
satisfeito.
Tom
falou:
— Vejam
só, não é mesmo a Rosasharn? Não sabia que ocê vinha também.
— A
gente vinha andando a pé e o caminhão nos alcançou na estrada —
disse ela. E acrescentou, com um ar pomposo: — Este é o Connie,
meu marido.
Os
dois apertaram as mãos, examinando-se mutuamente, olhando fundo um
nos olhos do outro; e num instante ambos ficaram satisfeitos com o
exame, e Tom disse:
— Bom,
vejo que vocês não perderam tempo.
Ela
olhou para o chão.
— Mas
ainda não se vê. Não se vê nada.
— A
mãe me disse. Quando é que vai ser?
— Ah,
ainda vai demorar. Só lá pro inverno.
Tom
riu.
— Então
ele vai nascer mesmo nos laranjais, hein? Numa dessas casinhas
brancas, cercadas de laranjeiras.
Rosa
de Sharon apalpou o ventre com ambas as mãos.
— Tá
vendo, não se vê nada. — E deu um risinho complacente e correu
para dentro da casa.
A
tarde estava quente e, a Leste, o horizonte ainda lançava um facho
de luz. Sem aviso algum, reuniram-se todos em torno do caminhão, e o
congresso, a reunião do conselho da família, teve início.
A
luz do crepúsculo fazia brilhar a terra vermelha, de maneira que
suas dimensões aprofundaram-se. Uma pedra, um tronco, uma construção
tinham maior profundidade e mais solidez agora que à luz do dia; e
todos esses objetos eram curiosamente mais eles mesmos: um tronco era
mais essencialmente um tronco, elevava-se com mais firmeza da terra e
destacava-se mais do campo de trigo que lhe servia de cenário. E as
plantas tinham mais individualidade, não eram apenas um conjunto de
cereais; e o salgueiro esfarrapado era mais ele próprio, bem
diferente dos outros salgueiros. A terra também contribuiu com uma
luz para a tarde. O frontispício da casa parda, sem pintura, dando
para Oeste, brilhava palidamente com uma luz semelhante à da lua. O
caminhão cinzento, poeirento, parado no terreiro, destacava-se
magicamente àquela luz, na perspectiva exagerada de um
estereoscópio.
Os
homens também mostravam-se mudados ao anoitecer. Tornaram-se mais
quietos e pareciam fazer parte de uma organização do inconsciente.
Obedeciam a impulsos que mal se delineavam em seus cérebros. Tinham
o olhar dirigido para dentro de si mesmos, e seus olhos brilhavam à
luz do entardecer, brilhavam nos rostos cobertos de poeira.
A
família se reunira no local mais importante, junto ao caminhão. A
casa estava morta, e os campos estavam mortos; mas esse caminhão era
algo de positivo, de ativo, como um princípio vital. O velho Hudson,
de radiador amassado e arranhado, com glóbulos de graxa e de pó em
cada canto gasto do mecanismo, com calotas de poeira substituindo as
de metal, esse velho caminhão era o coração, agora, o centro de
vida da família; meio automóvel, meio caminhão, tosco e
desengonçado.
John
Steinbeck, in As vinhas da ira
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