Escrevo
esta canção porque é preciso.
Se
não a escrevo, falho com o pacto
que
tenho abertamente com a vida.
E
é preciso fazer alguma coisa
para
ajudar o homem.
Mas
agora.
Cada
vez mais sozinho e mais feroz,
a
ternura extraviada de si mesma,
o
homem está perdido em seu caminho.
É
preciso fazer alguma coisa
para
ajudá-lo. Ainda é tempo.
É
tempo.
Apesar
do próprio homem, ainda é tempo.
Apesar
dessa crosta que cultivas
com
amianto e medo, ainda é tempo.
Apesar
da reserva delicada
das
toneladas cegas mas perfeitas
de
TNT pousando sobre o centro
de
cada coração - ainda é tempo.
No
Brasil, lá na Angola, na Alemanha,
na
ladeira mais triste da Bolívia,
nessa
poeira que embaça a tua sombra,
na
janela fechada, no mar alto;
no
próximo Oriente e no Distante,
na
nova madrugada lusitana
e
na avenida mais iluminada de New York.
No
Cuzco desolado
e
nas centrais atômicas atônitas,
em
teu quarto e nas naves espaciais
-
é preciso ajudá-lo.
Nas
esquinas
onde
se perde o amor publicamente,
nas
cantigas guardadas no porão,
nas
palavras escritas com acrílico,
quando
fazes o amor para ti mesmo.
Na
floresta amazônica, nas margens do Sena,
e
nos dois lados deste muro
que
atravessa a esperança da cidade
onde
encontrei o amor
-
o homem está ficando seco
um
sapo seco
e
a sua casa já se transformou
em
apenas local de seu refúgio.
Lá
na Alameda de Bernardo O´Higgins
e
no sangue chileno que escorria
dos
corpos dos obreiros fuzilados,
levados
para a fossa em caminhões
pela
ferocidade que aos domingos
sabe
se ajoelhar e cantar salmos.
Lá
na terra marcada como um boi
pela
brasa voraz do latifúndio.
Dentro
do riso torto que disfarça
a
amargura da tua indiferença,
na
mágica eletrônica dourada,
no
milagre que acende altos-fornos,
no
desamor das mãos, das tuas mãos,
no
engano diário, pão de cada noite,
o
homem agora está, o homem autômato,
servo
soturno do seu próprio mundo,
como
um menino cego, só e ferido,
dentro
da multidão.
Ainda
é tempo.
Sei
porque canto: se raspas o fundo
do
poço antigo de sua esperança,
acharás
restos de água que apodrece.
É
preciso fazer alguma coisa,
livrá-lo
dessa sedução voraz
da
engrenagem organizada e fria
que
nos devora a todos a ternura,
a
alegria de ser gente e de viver.
É
preciso ajudar.
Porém
primeiro,
é
preciso ajudar-me, agora mesmo,
a
ser capaz de amor, de ser um homem.
Eu
que também me sei ferido e só,
mas
que conheço esse animal sonoro
que
profundo e feroz reina em meu peito.
Thiago
de Mello
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