“Devemos
fazer tudo no sentido de sermos tão gratos quanto possível. A
gratidão é um bem que nos pertence a nós, assim como a justiça
(ao contrário do que vulgarmente se crê) tira o seu valor mais de
si mesma do que da aplicação aos outros. Cada um de nós ao ser
útil aos outros, é útil a si mesmo. Não digo isto no sentido de
cada um pretender ajudar quando é ajudado, proteger quando é
protegido, ou no sentido de que um bom exemplo acaba por redundar em
benefício do seu autor (tal como os maus exemplos recaem nos seus
autores - e por isso ninguém tem pena das vítimas de injúrias que
as próprias vítimas, por também as fazerem, mostram ser
possíveis); quero, sim, dizer é que a recompensa de todas as
virtudes reside na sua prática! Não é com vista a obter uma
recompensa que nós as praticamos: o prêmio de uma ação correta é
essa mesma ação! Eu não me mostro grato para que um outro, levado
pelo meu exemplo, me faça um favor de melhor vontade, mas porque a
gratidão provoca um sentimento da mais pura e bela alegria. Não me
mostro grato porque isso me possa ser útil, mas sim porque me dá
prazer.
Para
te convenceres de que assim é, dir-te-ei ainda mais: se eu não
puder mostrar-me grato senão à custa de parecer ingrato, se não
puder retribuir um benefício senão sob a aparência de uma ofensa,
tenho o dever de, com a consciência tranquila, tomar a decisão mais
acertada mesmo a troco de parecer um miserável. A meu ver, ninguém
mostrará mais amor à virtude e dedicar-lhe maior devoção do que
quem não receia perder a reputação de homem de bem só para não
macular a sua consciência. Em suma, como já disse, é mais para o
teu bem do que para o bem alheio que tu te sentes grato; ser-se
retribuído por algo que se deu é coisa vulgar, quotidiana, mas
sentir gratidão é um sentimento grandioso que provém do mais feliz
estado de alma. De fato, se a maldade torna os homens infelizes e a
virtude os torna felizes, então a gratidão é uma virtude; tu
restituis um bem de uso comum, mas consegues um outro de inestimável
valor: a consciência da tua gratidão, coisa só possível a uma
alma acima do normal.”
Sêneca,
in Cartas a Lucílio
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