— Estou
com a boca cheia de terra.
— Sim,
padre.
— Não
diga: “Sim, padre.” Repete comigo o que eu for dizendo.
— O
que o senhor vai me dizer? Vai pegar a minha confissão outra vez?
Por que outra vez?
— Esta
não vai ser uma confissão, Susana. Só vim conversar com você.
Preparar você para a morte.
— Eu
já vou morrer?
— Vai,
filha.
— Então
por que não me deixa em paz? Estou com vontade de descansar. Devem
ter pedido ao senhor que viesse tirar meu sono. Que ficasse aqui
comigo até meu sono ir embora. E o que eu vou fazer depois para
encontrar meu sono? Nada, padre. Então por que o senhor não vai
embora de uma vez e me deixa tranquila?
— Vou
deixar você em paz, Susana. Conforme você for repetindo as palavras
que eu disser, irá adormecendo. Vai sentir como se você mesma se
ninasse. E vai ver que quando você dormir, ninguém mais irá
despertá-la... Você não vai voltar a despertar nunca mais.
— Está
bem, padre. Vou fazer o que o senhor disser.
O
padre Rentería, sentado na beira da cama, as mãos postas sobre os
ombros de Susana San Juan, com sua boca assim quase grudada na orelha
dela para não falar alto, encaixava secretamente cada uma de suas
palavras: “Tenho a boca cheia de terra.” Depois se deteve. Tratou
de ver se os lábios dela se moviam. E os viu balbuciar, embora sem
deixar sair som algum.
“Tenho
a boca cheia de ti, da sua boca. Seus lábios apertados, duros como
se mordessem oprimindo meus lábios...”
Também
se deteve. Olhou de viés o padre Rentería e viu-o ao longe, como se
estivesse por trás de um vidro embaçado.
Depois
tornou a ouvir a voz esquentando seu ouvido:
— Tenho
saliva espumosa; mastigo torrões coalhados de vermes que se aninham
na minha garganta e raspam o meu céu da boca... Minha boca se
afunda, contorcendo-se em trejeitos, perfurada pelos dentes que a
perfuram e devoram. O nariz amolece. A gelatina dos olhos se derrete.
Os cabelos ardem numa labareda só...
Estranhava
a quietude de Susana San Juan. Teria querido adivinhar seus
pensamentos e ver a batalha daquele coração por rejeitar as imagens
que ele estava semeando dentro dela. Olhou seus olhos e ela devolveu
o olhar. E ele achou que estava vendo como os lábios dela forçavam
um sorriso.
— Ainda
falta uma coisa. A visão de Deus. A luz suave de seu céu infinito.
O gozo dos querubins e o canto dos serafins. A alegria dos olhos de
Deus, a última e fugaz visão dos condenados à pena eterna. E não
apenas isso, mas tudo conjugado com uma dor terrena. O tutano dos
nossos ossos convertido em lume e as veias do nosso sangue em fios de
fogo, fazendo-nos contorcer de uma dor incrível; que não míngua
nunca; atiçado sempre pela ira do Senhor.
“Ele
me abrigava entre seus braços. Ele me dava amor.”
O
padre Rentería repassou com os olhos as figuras que estavam à sua
volta, esperando o último momento. Perto da porta, Pedro Páramo
esperava com os braços cruzados; em seguida, o doutor Valência, e
junto a eles outros senhores. Mais além, nas sombras, um punhado de
mulheres para quem já estava se fazendo tarde para começar a rezar
a oração dos defuntos.
Teve
intenção de se levantar. Dar os santos óleos à enferma e dizer:
“Terminei.” Mas não, ainda não terminara. Não podia entregar
os sacramentos a uma mulher sem conhecer o tamanho de seu
arrependimento.
Sentiu
que entrava em dúvidas. Talvez ela não tivesse nada de que se
arrepender. Talvez ele não tivesse nada a perdoar. Inclinou-se
suavemente sobre ela, e sacudindo seus ombros, disse em voz baixa:
— Você
está indo até a presença de Deus. E sua sentença é desumana para
os pecadores.
Depois
aproximou-se outra vez de seu ouvido; mas ela sacudiu a cabeça:
— Vá
embora de uma vez, padre! Não se mortifique por mim. Estou tranquila
e tenho sono.
Ouviu-se
o soluço de uma das mulheres escondidas na sombra.
Então
Susana San Juan pareceu recobrar a vida. Endireitou-se na cama e
disse:
—
Justina, faça-me o favor de ir chorar em
outro canto!
Depois
sentiu que a cabeça se cravava em seu ventre. Tentou separar o
ventre de sua cabeça; afastar aquele ventre que apertava seus olhos
e cortava sua respiração; mas cada vez se inclinava mais como se
afundasse na noite.
— Eu...
Eu vi dona Susanita morrer.
— O
que você está dizendo, Dorotea?
— Estou
dizendo o que acabo de dizer.
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
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