Todos
nós sofremos de uma avidez infinita. As nossas vidas são-nos
preciosas, estamos sempre alerta contra os desperdícios. Ou talvez
fosse melhor chamar a isso Sentido de Destino Pessoal. Sim. Creio que
é melhor do que avidez. Deverá a minha vida perder um milésimo de
polegada da sua plenitude? É uma coisa diferente avaliar-se a si
próprio ou vangloriar-se loucamente. E há então os nossos planos,
os nossos ideais. Também eles são perigosos. Podem consumir-nos
como parasitas, comer-nos, sorver-nos e deixar-nos exangues e
prostrados. E no entanto estamos constantemente a convidar os
parasitas, como se estivéssemos ansiosos por sermos sorvidos e
comidos. Isto porque nos ensinaram que não há limites para o que um
homem pode ser.
Há
seiscentos anos um homem era o que o seu nascimento demarcava para
ele. Satanás e a Igreja, representante de Deus, lutavam por ele.
Ele, pela sua escolha, decidia em parte qual seria o resultado. Mas
quer fosse, depois da morte, para o céu ou para o inferno, o seu
lugar entre os vivos estava marcado. Não podia ser contestado. Desde
então o palco foi novamente arranjado e os seres humanos apenas
passeiam nele e, sob este novo ponto de vista, temos uma história à
qual responder. Éramos outrora suficientemente importantes para que
as nossas almas fossem objeto de luta. Agora cada qual é responsável
pela sua própria salvação, que está na sua grandeza. E isso, essa
grandeza, é a rocha sobre a qual se fere o nosso coração.
Rodeiam-nos grandes inteligências, grandes belezas, grandes amantes
e criminosos. Da grande tristeza e desespero dos Werthers e dos Don
Juans passamos para as grandes figuras dominantes dos Napoleões;
desses passamos para os assassinos que tinham que tinham esse direito
sobre as vítimas; aos homens que se sentiam privilegiados por se
aproximarem dos outros com um chicote; aos rapazes das escolas e aos
funcionários que rugem como leões enfurecidos; a esses proxenetas e
outras criaturas dos bas-fond oradores nas cafeterias noturnas
que acreditavam que poderiam ser grandes na traição e que poderiam
torcer o pescoço daqueles que sentiam ser puros e bons com o laço
da sua morbidez; aos sonhos de sombras lindíssimas que se abraçavam
num ecrã impecável. Odiamo-nos terrivelmente e punimo-nos por causa
destas coisas. O medo de ficar para trás persegue-nos e
enlouquece-nos. O medo está em nós como uma nuvem. Forma um clima
interior de escuridão. E há ocasionalmente uma tempestade, e ódio,
e chuva que fere, a brotar de nós.
Saul
Bellow, in Na
corda bamba
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