Gosto
dos hábitos que não duram; são de um valor inapreciável se
quisermos aprender a conhecer muitas coisas, muitos estados,
sondar toda a suavidade, aprofundar a amargura. Tenho uma natureza
que é feita de breves hábitos, mesmo nas necessidades de saúde
física, e, de uma maneira geral, tão longe quanto posso ver nela,
de alto a baixo dos seus apetites. Imagino sempre comigo que esta ou
aquela coisa se vai satisfazer duradouramente - porque o próprio
hábito breve acredita na eternidade, nesta fé da paixão; imagino
que sou invejável por ter descoberto tal objeto: devoro-o de manhã
à noite, e ele espalha em mim uma satisfação, cujas delícias me
penetram até a medula dos ossos, não posso desejar mais nada sem
comparar, desprezar ou odiar.
E
depois um belo dia, aí está: o hábito acabou o seu tempo; o objeto
querido deixa-me então, não sob o efeito do meu fastio, mas em paz,
saciado de mim e eu dele, como se ambos nos devêssemos gratidão e
estendemo-nos a mão para nos despedirmos. E já um novo me aguarda,
mas aguarda no limiar da minha porta com a minha fé - a
indestrutível louca... e sábia! - em que este novo objeto será o
bom, o verdadeiro, o último... Assim acontece com tudo, alimentos,
pensamentos, pessoas, cidades, poemas, músicas, doutrinas, ordens do
dia, maneiras de viver.
Em
compensação, odeio os hábitos que duram, parece-me que
tiranos se aproximam de mim para inquinar o meu ar vital com o
seu hálito, logo que os acontecimentos se orientam de tal maneira
que parece deverem sair deles hábitos definitivos: por exemplo,
devido a uma função social, à frequência constante do mesmo meio,
de uma residência determinada, de um gênero de saúde exclusivo.
Confessarei até que, no mais fundo da minha alma, estou grato às
minhas misérias físicas, à minha doença e a todas as minhas
imperfeições, porque me deixam mil portas de saída que me permitem
escapar aos hábitos definitivos. O que me seria, para falar verdade,
mais insuportável, o que verdadeiramente me aterraria, seria uma
vida totalmente despojada de hábitos, uma vida que exigisse uma
improvisação constante; isso seria o meu exílio, seria a minha
Sibéria.
Friedrich
Nietzsche, in A
gaia ciência
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