sexta-feira, 10 de novembro de 2017

O vento ficou

Os ventos continuaram soprando todos aqueles dias. Aqueles ventos que tinham trazido as chuvas. A chuva tinha ido embora; mas o vento ficou. Lá nos campos o milharal arejou suas folhas agora secas e deitou-se sobre os sulcos para se defender do vento. De dia passava manso; retorcia as heras e fazia ranger as telhas dos telhados; mas de noite gemia, gemia longamente. Pavilhões de nuvens passavam em silêncio pelo céu como se caminhassem roçando a terra.
Susana San Juan ouve o golpe do vento contra a janela fechada. Está deitada com os braços atrás da cabeça, pensando, ouvindo os ruídos da noite; ouvindo como a noite vai e vem arrastada pelo sopro do vento sem quietude. Depois, o estancar seco.
Abriram a porta. Uma rajada de ar apaga a lamparina. Vê a escuridão e então pára de pensar. Sente pequenos sussurros. Em seguida ouve a percussão de seu coração em palpitações desiguais. Através de suas pálpebras fechadas entrevê a chama da luz.
Não abre os olhos. O cabelo está esparramado sobre sua cara. A luz acende gotas de suor em seus lábios. Pergunta:
É você, pai?
Sou seu pai, minha filha.
Entreabre os olhos. Vê como se cruzasse os seus cabelos uma sombra sobre o teto, com a cabeça em cima da sua cara. E a figura borrosa aqui em frente, atrás da chuva de suas pestanas. Uma luz difusa; uma luz no lugar do coração, em forma de coração pequeno que palpita como chama pestanejante. “Seu coração está morrendo de dor” pensa. “Já sei que você veio me contar que Florencio morreu; mas disso eu já sabia. Não fique aflito pelos outros; não se apresse por mim. Eu tenho minha dor guardada num lugar seguro. Não deixe que seu coração se apague.”
Ergueu o corpo e se arrastou até onde estava o padre Rentería.
Deixe que eu console você com meu desconsolo! — disse, protegendo a chama da vela com as mãos.
O padre Rentería deixou que ela se aproximasse; viu-a cercar com as mãos a vela acesa e depois juntar sua cara ao pavio inflamado, até que o cheiro de carne chamuscada obrigou-o a sacudi-la, apagando a vela com um sopro.
Então voltou a escuridão e ela correu para se refugiar debaixo dos lençóis.
O padre Rentería disse a ela:
Eu vim confortar você, filha.
Então adeus, padre — respondeu ela. — Não volte aqui. Não preciso de você.
E ouviu quando se afastaram os passos que sempre deixavam nela uma sensação de frio, de tremor e de medo.
Para que você vem me ver, se está morto?
O padre Rentería fechou a porta e saiu para o ar da noite.
O vento continuava soprando.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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