sexta-feira, 10 de novembro de 2017

O técnico


Antigamente, existia o treinador, e ninguém dava muita atenção a ele. O treinador morreu, de boca fechada, quando o jogo deixou de ser jogo e o futebol profissio nal precisou de uma tecnocracia da ordem. Então nasceu o técnico, com a missão de evitar a improvisação, controlar a liberdade e elevar ao máximo o rendimento dos jogadores, obrigados a transformar-se em atletas disciplinados.
O treinador dizia:
Vamos jogar.
O técnico diz:
Vamos trabalhar.
Agora se fala em números. A viagem da ousadia ao medo, história do futebol no século XX, é um trânsito do 2-3-5 para o 5-4-1, passando pelo 4-3-3 e o 4-4-2. Qualquer leigo é capaz de traduzir isso, com um pouco de ajuda, mas depois, não há quem possa. A partir dali, o técnico desenvolve fórmulas misteriosas como a sagrada concepção de Jesus, e com elas elabora esquemas táticos mais indecifráveis que a Santíssima Trindade.
Do velho quadro-negro às telas eletrônicas: agora as jogadas magistrais são desenhadas em computadores e ensinadas em vídeos. Essas perfeições raras vezes são vistas, depois, nas partidas que a televisão transmite. A televisão se deleita exibindo o rosto crispado do técnico, e o mostra roendo as unhas ou gritando orientações que mudariam o curso da partida se alguém pudesse entendê-las.
Os jornalistas o sufocam de perguntas nas entrevistas, quando o jogo termina. O técnico jamais conta o segredo de suas vitórias, embora formule explicações admiráveis para suas derrotas:
As instruções eram claras, mas não foram seguidas – diz, quando a equipe perde de goleada para um timinho qualquer. Ou ratifica a confiança em si mesmo, falando na terceira pessoa mais ou menos assim: “Os revezes sofridos não empanam a conquista de uma clareza conceitual que o técnico caracterizou como uma síntese dos muitos sacrifícios necessários para chegar à eficácia”.
A engrenagem do espetáculo tritura tudo, tudo dura pouco e o técnico é tão descartável como qualquer outro produto da sociedade de consumo. Hoje o público grita para ele:
Não morra nunca!
E, no domingo que vem, quer matá-lo.
Ele acredita que o futebol é uma ciência e o campo um laboratório, mas os dirigentes e a torcida não apenas exigem a genialidade de Einstein e a sutileza de Freud, mas também a capacidade milagrosa de Nossa Senhora de Lourdes e a paciência de Gandhi.
Eduardo Galeano, in Futebol ao sol e à sombra

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